O assédio moral, o assédio sexual e a importunação sexual – tipificados distintamente no direito penal brasileiro – representam dimensões sombrias da vida social que, além de constituírem atos de violência, revelam as complexidades do inconsciente humano em sua relação com o desejo e o poder. Esses comportamentos não surgem de um simples impulso. Eles são a expressão de dinâmicas psíquicas profundas que envolvem a pulsão, a violência e, em muitos casos, o fracasso da simbolização dos conflitos internos.
Sigmund Freud, em Além do Princípio do Prazer (1920), nos alerta para a força avassaladora das pulsões, especialmente da pulsão sexual, que, longe de ser uma força controlada e civilizada, muitas vezes irrompe em formas destrutivas, seja a partir do indivíduo, seja a partir de um grupo de pessoas.
A sexualidade reprimida pode retornar de maneiras inesperadas, revelando-se em um comportamento transgressivo, como ocorre nas importunações e assédios moral e sexual. A pulsão sexual, quando impedida de encontrar formas sublimadas de expressão, pode emergir como um ato de violência, em que o outro não é visto como um sujeito, mas como um objeto a ser usado para satisfazer uma necessidade que, no fundo, carrega as tintas da frustração através da agressividade.
A violência inerente aos assédios, da perspectiva psicanalítica – e não da jurídica -, é indissociável da dinâmica do poder. Ela é a manifestação do desejo de subjugar, de dominar, de impor a própria vontade ao outro, em geral, ao seu corpo. Nesse ponto, ocorre a passagem ao ato.
Jacques Lacan, em O Seminário, livro 10: a angústia (1962-1963), explora a passagem ao ato como um ponto de ruptura na experiência subjetiva. Quando a angústia atinge níveis intoleráveis, o sujeito que comete o assédio pode experimentar uma quebra na sua capacidade de mediar seus impulsos através da linguagem e da simbolização. Essa falha culmina em uma ação impulsiva, que interrompe o campo do pensamento e se manifesta diretamente como ato investido em direção ao outro – uma violência que não é apenas física, mas profundamente psíquica.
Ao explorar a passagem ao ato, Lacan nos oferece uma chave fundamental para compreender o assédio. No momento em que esses crimes são perpetrados, o sujeito escapa da trama simbólica, do jogo de significantes que normalmente organiza a vida psíquica. Ao invés de lidar com o seu desejo de forma simbólica ou metafórica, ele age. Não há palavras, não há elaboração. O ato de assediar ou importunar surge, então, como um curto-circuito na capacidade do sujeito, na sua incapacidade de integrar o seu desejo e, consequentemente, a sua angústia no campo da linguagem.
O conceito de violência também desempenha, aqui, um papel central. Não é apenas a violência física que está em questão, mas a violência psíquica que destrói a alteridade do outro, transformando-o em um objeto de satisfação pulsional. Essa redução do outro a um objeto é, em si, uma forma de destruição simbólica, uma aniquilação da subjetividade que se reflete nos atos de assédio.
Melanie Klein, em Amor, Culpa e Reparação (1937), ao tratar da relação entre o desejo, a culpa e a reparação, nos mostra que a agressividade é intrínseca ao desejo humano, e que essa própria agressividade, quando não elaborada, se manifesta em ações que visam à destruição do outro.
Assim, as manifestações de assédios e a importunação sexual devem ser compreendidos não apenas como transgressões morais ou sociais, mas como sintomas de um tipo de falha mais profunda no psiquismo daquele que perpetra o crime.
O agressor, incapaz de simbolizar os seus conflitos e desejos, age de maneira direta, violenta.
Freud já havia nos mostrado como o recalque e a supressão, quando fracassam no indivíduo, retornam em formas inesperadas, muitas vezes destrutivas, e, em geral, assustadoras aos olhos da cultura. Lacan complementa, ao nos lembrar que, quando a palavra falha, o ato toma o seu lugar – e o ato, nesses casos, é uma violência.
Nesse sentido, a importunação e os assédios não são, somente, uma questão de poder, ou um tipo de investimento da pulsão sexual mal direcionado. São, antes, um colapso psíquico no qual a meta pulsional co-incide com a própria agressividade e se lança ao outro, no mundo exterior, enquanto violência. Como um modo de lidar com a própria incapacidade de simbolizar o desejo. Como uma falha no campo da linguagem e da subjetivação, na qual o sujeito age – destruindo o outro, porque, antes, visa destruir a si mesmo, na tentativa de escapar de uma angústia intolerável.