Raízes da Psicanálise | Sándor Ferenczi

Sándor Ferenczi. Fotógrafo e ano desconhecidos.

Adults do not realize how easily children are wounded, how easily they can be driven into despair.
(“Os adultos não percebem com que facilidade as crianças podem ser feridas, nem quão facilmente podem ser levadas ao desespero.”)
Confusion of Tongues between Adults and the Child (1933) (publicado em inglês em Final Contributions to the Problems & Methods of Psychoanalysis)

Psychoanalysis has to be carried out in the spirit of love, for in psychoanalysis it is always love that is the curative factor.
(“A psicanálise deve ser conduzida no espírito do amor, pois, na psicanálise, é sempre o amor que atua como fator de cura.”)
Clinical Diary (1932) (publicado postumamente em inglês e incluído em Final Contributions to the Problems & Methods of Psychoanalysis)

Sándor Ferenczi fez contribuições fundamentais à psicanálise ao enfatizar as relações interpessoais e o manejo das experiências traumáticas. Ele sublinhou a importância da empatia e da proximidade emocional na relação terapêutica, introduzindo a ideia de que o analista pode e deve envolver-se afetivamente na escuta do paciente. Embora seja equivocado afirmar que Ferenczi tenha criado o conceito de “identificação projetiva” — termo posteriormente atribuído à obra de Melanie Klein —, ele explorou processos de projeção e introjeção, além de propor a chamada “confusão de línguas”: o desencontro entre a linguagem de afeto da criança e a resposta sexualizada ou violenta do adulto, que pode levar a uma identificação com o agressor.

Um de seus trabalhos centrais, Thalassa: ensaio sobre a teoria da genitalidade (publicado originalmente em 1924), foi considerado por Sigmund Freud o texto “mais brilhante e mais profundo” do pensamento de Ferenczi.

Nascimento e formação em Budapeste

Sándor Ferenczi nasceu em 7 de julho de 1873, em Miskolc, na Hungria, que na época fazia parte do Império Austro-Húngaro. Filho de pais judeus poloneses, estudou Medicina em Viena, assim como Sigmund Freud, mas estabeleceu-se profissionalmente em Budapeste. Inicialmente interessado em psiquiatria, Ferenczi começou a corresponder-se com Freud e a aproximar-se de suas teorias ainda na década de 1900. Em 1908, conheceu Freud pessoalmente e, desde então, passou a integrar o círculo de pioneiros da psicanálise.

Primeiras contribuições e relação com freud

Ferenczi estava na vanguarda das discussões clínicas do nascente movimento psicanalítico. Ele enfatizava a importância dos vínculos emocionais e da empatia na relação analítica, propondo uma postura mais ativa e acolhedora do analista. Sua preocupação com pacientes traumatizados — em grande parte influenciada pelos eventos da Primeira Guerra Mundial, quando atendeu soldados com neuroses de guerra — conduziu-o à formulação de conceitos originais sobre a dinâmica entre terapeuta e paciente.

Uma de suas inovações foi a reflexão sobre a “elasticidade da técnica analítica”. Ao perceber que a neutralidade analítica por vezes criava distanciamento emocional, Ferenczi defendeu maior participação afetiva do analista, com vistas a reparar feridas emocionais profundas. Sua postura, contudo, muitas vezes foi recebida com ceticismo pelos próprios colegas, inclusive Freud, que mantinha uma concepção mais clássica de neutralidade.

Confusão de línguas e identificação com o agressor

Embora não tenha oficialmente cunhado o termo “identificação projetiva”, Ferenczi discutiu fenômenos semelhantes de projeção e introjeção na relação analítica. Ele destacou os riscos de o paciente reviver, no setting terapêutico, violências e papéis opressivos vivenciados na infância. Em seu último trabalho significativo, Confusion of Tongues between Adults and the Child (1933), introduziu a noção de “confusão de línguas”: o adulto interpreta a busca de afeto da criança como sedução, enquanto a criança, diante da sedução ou violência do adulto, reage com medo e submissão — fenômeno que Ferenczi chamou de “identificação com o agressor”.

Essa teorização foi fundamental para compreender como traumas precoces podem desorganizar a psique, gerando consequências que se manifestam posteriormente em relações interpessoais e no processo terapêutico.

A teoria da genitalidade em Thalassa

Um marco de Ferenczi na psicanálise é sua obra Thalassa: A Theory of Genitality (1924; algumas edições posteriores são datadas de 1930). Nela, ele explora a ideia de que a sexualidade humana remete a um retorno, ou regressão, ao ambiente aquático ancestral (o “mar primordial”). A noção, embora poética e especulativa, abriu novas reflexões sobre a função do amor e da sexualidade na constituição do aparelho psíquico, indo além do modelo então vigente e inspirando outros teóricos posteriores a pensarem o corpo como parte integrante da experiência psíquica.

Últimos anos e morte em Budapeste

Na fase final da vida, Ferenczi enfrentou divergências crescentes com Freud, sobretudo por suas posições sobre a técnica analítica e sua ênfase no cuidado e na contra-transferência. Apesar disso, continuou produzindo e atendendo pacientes em Budapeste. Sua saúde, porém, começou a se deteriorar. Em 1932, redigiu o Clinical Diary, publicado postumamente, onde expôs de forma íntima suas reflexões e dúvidas acerca da prática psicanalítica.

Sofrendo de anemia perniciosa e exausto pelas disputas intelectuais e pela intensidade do trabalho clínico, Ferenczi faleceu em 22 de maio de 1933, em Budapeste. Seu legado, por algum tempo, ficou obscurecido na história oficial da psicanálise, mas foi recuperado a partir da segunda metade do século XX, quando diversos autores, sobretudo na França, na Inglaterra e na América Latina, destacaram o valor de sua perspectiva empática e relacional para a evolução das psicoterapias.

As ideias de Ferenczi influenciaram profundamente a psicanálise posterior, sobretudo no que diz respeito à técnica e à postura do analista em relação ao paciente, antecipando a importância dos aspectos relacionais e da contratransferência. Seu legado, por vezes ofuscado em décadas passadas, é hoje reconhecido como um dos mais originais e humanistas na história do pensamento psicanalítico.

<- Sigmund Schlomo Freud

Voltar ao índice

Carl Gustav Jung ->

Bibliografia

  1. Obras completas de Sándor Ferenczi (Volumes 1 a 4) (2011, WMF Martins Fontes)

    • Reúnem textos de 1908 a 1933, incluindo clássicos como “Transferência e introjeção”, “O desenvolvimento do sentido da realidade e seus estágios” e “A técnica psicanalítica”.
    • Volume 3 contém Thalassa: ensaio sobre a teoria da genitalidade, descrito por Freud como “o mais brilhante e o mais profundo” texto de Ferenczi.
    • Os artigos finais incluem “Confusion of Tongues between Adults and the Child” (1933) e o Clinical Diary (1932).

Se você estiver interessado em iniciar a sua análise pessoal ou supervisão clínica, conheça o Consultório 122.