A importância de sonhar

A importância de sonhar é uma constatação na qual podemos chegar, por exemplo, através do lirismo, de uma leitura poética dos acontecimentos. Admitindo o sonho enquanto a manifestação da completude de um ideal – como aquele de uma vida melhor, um país e um mundo melhores – ele seria a força que guia e traciona nossas ações em uma realidade imperfeita e sofrida. Algo que tem muito valor, sobretudo, em momentos tão imperfeitos e sofridos.

Todavia, este artigo pretende mostrar como o sonho tem uma implicação prática e objetiva em nossas vidas, para além da inspiração que mobiliza.

 

O que é o sonho?

Os sonhos costumam ser a porta de entrada aos interessados na psicanálise, a partir de suas análises pessoais ou seus estudos iniciais.

O fascínio despertado pela vida onírica, certamente, é motivado pelas tantas reflexões e representações estéticas que ela incitou desde a Antiguidade em tratados, pinturas, livros, filmes e, recentemente, séries. Fundamentalmente, esse interesse ocorre por uma outra razão: este enigma coloca-se para todos.

De sterrennacht (A noite estrelada), de Vincent Van Gogh. Óleo sobre tela, 74x92cm, França, 1889. Atualmente no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, EUA.

Todos sonhamos, ainda que com frequências distintas. Muitas vezes não lembramos. Por vezes, o realismo nos impressiona, outras tantas a coisa fica tão doida que pensamos que seria impossível tentar ordenar e dar sentido àquilo tudo.

O sonho é a expressão de algo, mas também um lugar, um espaço virtual onde ocorre uma vivência alternativa do nosso sistema sensorial. Nele, vivenciamos um tempo paralelo, distinto daquele do sono. Longos enredos podem ocorrer em poucos segundos de sono e um breve evento no cenário onírico pode se estender longamente no relógio do quarto.

Neste lugar e neste tempo sentimos texturas, frio, calor, ouvimos e vemos pessoas, animais, paisagens e coisas que não existem na realidade.

O seu cachorro pode ter a cara de um parente distante, o rabo de uma tartaruga, o topete do Elvis Presley e conversar com você. O céu pode ser amarelo e você pode voar enquanto toca uma flauta feita de água. Poder. No sonho podemos.

Lá, também, por vezes, o sentido aparente pode ser evidente e a coerência do sonho pode ser afetada somente por pequenos detalhes que o distinguem da realidade. Por exemplo, podemos reviver cenas e episódios da nossa história, onde dizemos aquilo que outrora calamos e fazemos o que não fizemos quando a oportunidade surgiu.

Por isso, para além de se valer dos nossos mecanismos sensoriais, o sonho evoca sentimentos, criados, recriados e simulados, em experiências corporais e mentais que, naquele instante concreto, se originam somente dos estímulos que emanam do mundo interior do psiquismo. Como escreveu o poeta Mário Quintana, sonhar é acordar para dentro.

Mas não somente. Durante o sono, ainda que com as portas perceptivas majoritariamente fechadas, nosso sábio e adaptado aparelho psíquico continua atento às ocorrências do mundo exterior que poderiam nos colocar em um risco real. Assim, mesmo durante um sonho podemos acordar “para fora” quando há um barulho alto, um cheiro muito forte ou um toque muito intenso em nosso corpo.

 

O que muda com a psicanálise?

Freud, muito antes de criar a psicanálise, sempre foi intrigado com os sonhos. Ernest Jones, seu amigo e biógrafo, afirmou que tal interesse remontava, provavelmente, à sua infância. Sabe-se por diversas fontes que, muito antes de iniciar seus estudos sobre a histeria, ele possuía um caderno particular de anotações de sonhos e alguns relatos da sua vivência onírica eram compartilhados com a sua noiva, até então, Martha Bernays.

À parte o seu interesse específico, ele sabia que este era um tema popular que ajudaria a difundir os seus achados quando decidiu percorrer, nas suas palavras, a estrada real que leva ao Inconsciente.

Assunto recorrente no universo popular desde a Grécia antiga, por muitos séculos os sonhos foram compreendidos como manifestações passíveis de serem tabeladas. Por exemplo, sonhar com pássaro significaria um anseio de liberdade para todos aqueles que sonham com pássaros. Ainda, eram percebidos como uma comunicação com o sagrado, ou mesmo, como um transporte do sonhador ao mundo dos deuses.

Provavelmente, nos dias de hoje, a maioria das pessoas os compreenda em uma chave interpretativa que envolve o acesso ao desconhecido a partir de um poder superior, o contato com o mundo dos mortos ou um deslocamento temporal que permite, por exemplo, prever certos acontecimentos. São famosos alguns sonhos aparentemente premonitórios e casos de reencontros daquele que sonha com pessoas queridas que já morreram.

Evidentemente, toda leitura lastreada pela fé deve ser respeitada e de forma alguma a leitura psicanalítica opõe-se a estas interpretações. Antes, ela apresenta-se como um complemento importante na tentativa de desvendar certos enredos pessoais que reavivam o passado e alteram, de fato, o presente e o futuro.

Tais interpretações reafirmam a importância do sonho na vida social e remontam ao Oráculo de Delfos, que por seis séculos foi o centro religioso, sob a tutela do deus Apolo, onde as chamadas pítias previam o futuro e orientavam as ações de cidadãos e líderes gregos.

Atualmente, poucos políticos legariam o destino das suas carreiras – imagine de suas vidas – a uma sacerdotisa em uma espécie de transe. Todavia, quase todos eles ainda sentem a importância da intuição no jogo pelo poder. A intuição, que escapa à razão e à consciência, emerge do mesmo lugar que os sonhos: o Inconsciente.

Sob uma leitura psicanalítica, o transe no qual se encontrava a pítia, enquanto ouvia perguntas e profetizava, era um estado alterado da consciência daquela mulher. Este outro estado da consciência, o transe, não seria outra coisa senão o seu próprio universo onírico.

Ao avançar em seus estudos preliminares sobre a histeria com seu colega Josef Breuer, Freud partiu do famoso caso de Anna O. para a epopeia que iria circunscrever e definir aquilo que a paciente de Breuer chamou de sua condition seconde ou o seu segundo estado de consciência.

A ideia deste outro estado da consciência, anos depois, levaria à conceituação do Inconsciente freudiano, que ocorreu no processo de elaboração e escrita do livro A interpretação dos sonhos.

Ali, os sonhos deixariam de possuir um sentido orientado de fora, por parâmetros socioculturais, e passariam a ter uma lógica interna, circunscrita às dinâmicas que ocorrem no interior do aparelho psíquico.

 

Do que são feitos os sonhos?

Em alemão, Sonho é traduzido por Traum, palavra que guarda semelhança evidente com o termo grego traûma (ferida, avaria, derrota, desastre). Termo de onde originou-se trauma.

O que Freud logo percebeu em seus estudos foi que os sonhos seriam a estrada real para este outro estado da consciência, onírico por excelência, território dos traumas vivenciados, dos conteúdos  reprimidos, do Inconsciente.

Os sonhos são feitos de representações, imagens, traços acústicos, cores e traços de memória do corpo, conhecidos como sensações. Devido ao afrouxamento da consciência, durante o sono todo este material, acumulado ao longo da vida, torna-se novamente disponível ao nosso sistema sensorial.

No interior do psiquismo estas representações muitas vezes se deslocam do seu sentido original, aquele vivido, e os representantes delas se condensam em novas formas, criando novas imagens, sons, sensações. Ou seja, os elementos mínimos das nossas vivências reais, o nosso alfabeto particular, criam novas representações e estabelecem a comunicação em uma outra língua.

Esta recriação é, por si só, a satisfação de um ou mais desejos inconscientes que chegam mais próximos da superfície psíquica porque a consciência não precisa trabalhar intensamente no sono como na vigília, uma vez que o contato com o mundo exterior está praticamente suspenso.

Em A interpretação dos sonhos, tão conhecida quanto a ideia geral de que o sonho é a manifestação e a realização de um desejo é a epígrafe escolhida para abrir a obra: Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo. Este verso contido em Eneida, do poeta romano Virgílio, diz: “Se não posso dobrar aos poderes celestiais, agitarei o Inferno”.

Se não podemos controlar, mudar a direção daquilo que vem de cima, dos outros ou de fora, agitamos aquilo que está abaixo, aqui dentro, na certeza imediata do que podemos sentir, ver, ouvir e tocar.

Assim são os sonhos, um agito infernal no cerne do psiquismo que ocorre quando o aparelho psíquico abdica daquilo que está lá fora, dos poderes celestiais, dos eventos e pessoas reais que tentamos controlar em vão.

 

Por que sonhar é importante?

O primeiro desejo satisfeito pelo sonho é o desejo de dormir.

Por isso é conhecida a afirmação de que o sonho é o guardião do sono. Este primeiro desejo que emerge na consciência manifesta-se em nosso corpo e nos leva à preparação e ao relaxamento necessário ao aparelho psíquico. Ele é quem nos coloca em posição para que outros desejos venham e se realizem na atividade onírica e é fundamental, porque oferece o espaço necessário à vazão do material inconsciente que tentou vir à tona o tempo todo durante o dia.

Todos já sentimos a verdadeira importância do desejo de dormir ao menos uma vez na vida, quando tomamos a errônea decisão de tentar ignorá-lo. A necessária descarga das nossas pulsões e a satisfação dos nossos desejos podem ser contidas pelo pré-consciente e o consciente até um determinado limite. Por isso, quando há uma severa privação do sono é bastante comum que ocorra a alucinação. Quando o Inconsciente toma à força um território do pré-consciente e do consciente e chega ao sistema perceptivo, ainda que o desejo de dormir não tenha sido satisfeito.

Um quadro de alucinação devido à privação do sono é o limite que demonstra a importância de sonhar, uma vez que a alucinação é uma atividade onírica. Quando ela ocorre enquanto estamos acordados, manifesta-se como um sonho que nos coloca em um perigo real. Isto porque não cedemos ao desejo principal de dormir e, consequentemente, não fechamos devidamente as portas do nosso aparelho psíquico para o mundo exterior, algo que nos permite satisfazer nossos desejos sem correr riscos.

O sonho é uma conversa franca do sonhador consigo mesmo, manifestando e satisfazendo os próprios desejos incontroláveis, naquele instante, pela sua consciência. Desejos que, na imensa maioria do tempo, quando estamos acordados, tentamos controlar com muito esforço.

É deste mesmo mundo subterrâneo, inconsciente e pulsional, que emerge a nossa vivência neurótica na vigília cotidiana, nossos sintomas e o nosso sofrimento.

Sonhar é vital, porque nos liberta. O seu sonho é você sem amarras.

Ao sonhador, o fato de entrar em contato com estas vivências, ainda que simuladas e embaralhadas, permite uma distensão do aparelho psíquico (corpo e psiquismo) que relaxa, redimensiona e realoca certos afetos.

Muito depois de Freud, as neurociências comprovaram, por exemplo, a importância do sono, sobretudo na fase REM (Rapid Eye Movement), quando  ocorrem os sonhos. Nesta fase os olhos se movimentam intensamente e a atividade mental assemelha-se àquela da vigília. Somados os ciclos que se intercalam ao longo de uma boa noite de sono, a fase REM pode durar, ao todo, de 1h30m a 2h. É nesta fase que, com o trabalho do sonho, ocorre a absorção das experiências e dos conhecimentos adquiridos naquele dia que se encerrou.

Ou seja, uma boa noite de sono e de sonho envolve, também, uma forma de depuração daquelas vivências, quando os restos diurnos são incorporados a todo o material inconsciente que já possuímos. Quando o sono e o sonho atingem o seu objetivo, é porque se consolidou a memória afetiva e o registro dos eventos e aprendizados no nosso mundo interior. Estas são as manhãs em que acordamos bem, renovados, dispostos e, sobretudo, mais preparados para enfrentar o mundo exterior.

Esta depuração afetiva e o registro da experiência vivida são a adaptação imediata, diária, do aparelho psíquico na relação com o mundo exterior.

Por isso, em uma análise, os sonhos são um farto e rico material, porque, por mais que envolvam representantes e representações do passado e incorporem restos diurnos muitas vezes insignificantes, eles sempre expressam o desejo presente.

São muitas as pesquisas em curso sobre os sonhos. Não podemos deixar de destacar os estudos do neurocientista Sidarta Ribeiro, que tem se dedicado a uma necessária revalorização do papel dos sonhos em nossas vidas cotidianas.

No contexto em que vivemos, onde a pandemia da Covid-19 apresenta-se como um trauma coletivo global, temos o importante projeto “A Oniropolítica em Tempos de Pandemia”, promovido por pesquisadores da UFRGS, UFMG e USP.

Existem muitas outras iniciativas no Brasil e no exterior, contudo, ainda conversamos muito pouco a respeito dos nossos sonhos no dia a dia. Talvez, porque subestimamos a sua relevância, apesar de ser um tema que atrai muitas pessoas.

Procure saber mais sobre os estudos a respeito, mas, principalmente, sobre os seus próprios sonhos. Ao abrir os olhos pela manhã evite pegar o celular em um movimento automatizado. Dê tempo ao seu corpo, para que ele desperte aos poucos e ainda deitado. Este é um ótimo momento para tentar relembrar o sonho, pensar a respeito e, eventualmente, anotá-lo.

A tendência é que ao longo do dia esqueçamos detalhes preciosos e, por fim, todo o sonho. Isto é como desperdiçar algo mais valioso do que o ouro, porque os seus desejos e a sua história não têm preço e somente eles permitem realizar o seu presente e o seu futuro de maneira satisfatória.

Você sabe quanto possui no banco, mas se lembra daquilo que sonhou na noite passada?

Tudo bem ficar (um pouco) ansioso na quarentena

O intuito deste artigo é o de esclarecer alguns aspectos da ansiedade em relação ao panorama atual. A introdução ao tema pode ajudar a desmistificá-lo e, consequentemente, a operar no sentido inverso da própria ansiedade.

O esperado aumento dos relatos de pessoas que se sentem ansiosas durante a pandemia vem se confirmando. Algumas delas, que não se percebiam assim, passaram a sentir uma leve ansiedade, enquanto outras sentiram a ansiedade aumentar.

Enquanto passarmos pelo duro e necessário isolamento social esta resposta psíquica ao que temos vivido será profundamente natural, desde que se dê em uma intensidade leve ou moderada. A grande questão envolve a avaliação pessoal sobre o que se sente: uma ansiedade leve, moderada ou severa. Muitas dúvidas podem surgir.

Por isso, conversar a respeito delas com profissionais da área de saúde mental torna-se ainda mais importante agora, uma vez que alguns sintomas podem incluir, eventualmente, fadiga e sensação de falta de ar. Em tempos de coronavírus, a mera possibilidade da confusão entre estes sintomas e aqueles da Covid-19, por si só, já é problemática.

O diagnóstico psiquiátrico da ansiedade segue diversos critérios que a classificam em alguns tipos de transtornos de ansiedade que muitas vezes são comórbidos entre si. Ou seja, uma pessoa com um deles, na maioria das vezes, terá, pelo menos, mais um.

Excetuados alguns destes tipos, para que a ansiedade seja considerada um quadro clínico patológico, geralmente – mas não sempre -, é necessário que os sintomas sejam persistentes por um período mínimo de meses. Estes sintomas só podem ser avaliados por um psiquiatra ou um psicoterapeuta (psicanalistas e psicólogos).

Da mesma forma que o colesterol não é ruim, mas o seu nível elevado no sangue é preocupante e necessita de uma intervenção médica, a ansiedade não é necessariamente ruim, mas o seu nível elevado deve ser acompanhado por um especialista.

Entretanto, mesmo quadros que não são severos podem e merecem ser atenuados com uma boa terapia. A ansiedade se manifesta em todos nós e, na imensa maioria das vezes, ela não assume um caráter patológico. Antes, ela é uma resposta natural do psiquismo frente às alterações percebidas no mundo exterior, no ambiente em que vivemos.

 

O que é a ansiedade?

Na psicanálise freudiana, a ansiedade recebe o nome de angústia. O termo original, Angst, comporta tanto a noção de ansiedade, quanto a de medo ou temor.

Em “As palavras de Freud”, o tradutor Paulo César de Souza aponta que a óbvia semelhança entre os termos Angst e angústia deve-se à sua origem comum no idioma indo-europeu, traçada a partir das derivações latina angustia (“aperto”) e indo-germânica angust (“estreiteza”, “aperto”).

Não é por coincidência que as descrições mais comuns da sensação de angústia contêm “um aperto no peito”. Há ainda o “frio no estômago” diante de algo iminente, como se o mesmo se contraísse ao perder calor.

Como suporte para conceituar a angústia, Freud também utilizou os termos Furcht (“medo”) e Schreck (“pavor”).

Esta breve explicação etimológica é necessária para que façamos uma distinção importante que nos ajuda a compreender a ansiedade, ou angústia, em relação aos objetos (para a psicanálise um objeto pode ser uma pessoa, ideia, pensamento, relação ou coisa material).

A angústia (Angst) é um sentimento causado pelo desprazer antecipado pelo psiquismo, que busca evitar o desprazer muito maior que seria gerado por um objeto.

Ela se origina no indivíduo devido à expectativa que ele cria a respeito da iminente presença de algo que despertaria um medo, justificável ou não. Esta é, propriamente na língua portuguesa, a concepção de angústia enquanto ansiedade.

Note a utilização do pronome indefinido “um” em “seria gerado por um objeto”. Esta indefinição remete ao objeto, real ou imaginado, porque muitas vezes ele não pode ser nomeado – ou, apontado conscientemente – pelo próprio indivíduo que sente a ameaça, a ansiedade. Como exemplos, assim ocorre no transtorno de Pânico e no transtorno de ansiedade generalizada.

Ilustração de Lucile W. Holling para o poema “Dandelion Bubbles”, em Around a toadstool table – A child´s book of verse, de Rowena B. Bennett, Chicago, 1930.

A expectativa gerada pela incerteza e pela indeterminação do objeto tensiona o aparelho psíquico (corpo e psiquismo) gerando um desprazer que o psiquismo entende ser um prenúncio daquele que será gerado pela presença, de fato, do objeto. Desse modo, posta a antecipação de um desprazer menor em relação ao que pode vir, o psiquismo tende a fugir daquela posição e buscar outra mais prazerosa.

O tensionamento do aparelho psíquico, percebido muitas vezes em regiões, músculos e nervos do corpo, tem por função mobilizar e preparar o indivíduo para empreender a fuga diante daquele objeto que pode – naquele instante não há dúvida de que irá – gerar ainda mais desprazer.

No senso comum, são conhecidas algumas fugas que surgem enquanto respostas à intensificação da ansiedade, logo, ao tensionamento. São aquelas associadas ao aumento do consumo de alimentos, especialmente doces, de bebidas alcoólicas e do tabagismo, por exemplo. Basicamente, porque são saídas imediatas e estão amplamente disponíveis na sociedade de consumo.

Repare que, em meio à pandemia em que estamos vivendo, têm sido recorrentes as notícias e artigos que abordam o aumento generalizado do consumo de álcool. Da mesma forma, os mais afortunados, com seus vastos estoques alimentícios, percebem o necessário cuidado extra para manterem o peso durante o isolamento social.

Na língua portuguesa, o medo (Angst ou Furcht) é a concepção de angústia que se refere ao sentimento que surge quando este objeto pode ser nomeado e definido pelo indivíduo. Portanto, quando ele está, ainda que indiretamente, presente na consciência. Como em uma determinada fobia. Por exemplo, o claustrofóbico sabe da sua aversão aos espaços fechados. Basta que ele visualize ou imagine uma situação em que ele se reconheça em contato direto com o objeto fóbico para que a angústia, ou ansiedade, tome conta.

Já o pavor (Schreck) não é uma concepção, ou sentido da angústia, mas a realização daquilo que ela apenas antecipa. Ele é a descarga abrupta do tensionamento que tomava o indivíduo. Ele surge quando a expectativa se realiza no contato direto com o objeto que causava a ansiedade e o medo.

Portanto, do ponto de vista freudiano, a ansiedade e o medo não são etapas sequenciais, mas traduções das manifestações da própria angústia, que é conhecida popularmente no Brasil, somente, como ansiedade.

 

O que muda com a pandemia?

Após esta breve apresentação, esperamos que tenha ficado evidente como uma situação de pandemia altera, basicamente, quase tudo o que diz respeito à ansiedade.

Ou seja, é natural que este momento de indefinição altere a intensidade, a modulação e o caráter dos nossos afetos em relação a quase todos os objetos, como: mãe, pai, namorada, cachorro, gato, amigos, emprego e os nossos próprios pensamentos.

É importante ressaltar que tais mudanças ocorrem no interior do psiquismo, porém, reverberaram pelo corpo. Além de nódulos e tensões musculares, a ansiedade pode levar a episódios de insônia, ou, através do consumo excessivo de café ou álcool, atrapalhar a recuperação ideal do corpo e do psiquismo durante o sono.

Ainda, sua tendência é a de aumentar a irritação e intensificar o cansaço. A fadiga pode fazer com que fiquemos o dia todo no sofá assistindo séries, procrastinando atividades necessárias, mas, ainda assim, sem alcançar a desejada sensação de relaxamento própria às atividades de lazer.

Por isso, as atividades físicas são ainda mais importantes durante este período. Preferencialmente, em casa, mas, se não for possível, pequenas caminhadas diárias certamente atenuarão a ansiedade. Antes, informe-se sobre as devidas recomendações, como a de ficar, no mínimo, a 4 metros de distância da pessoa que caminha na sua frente.

Algumas vezes sentimos uma ansiedade que não sabemos de onde vem, noutras conseguimos defini-la com uma certa clareza. Um exemplo é aquela que atualmente toma algumas pessoas, em relação às incertezas no mercado de trabalho.

Conversar francamente a respeito destas mudanças, dos desejos, das expectativas e medos envolvidos é fundamental para diminuir a tensão, a ansiedade, a angústia. Seja com a família, os amigos ou com um psicoterapeuta.

O corpo, o cérebro e o psiquismo possuem uma ampla e maravilhosa plasticidade. Quando o mundo exterior passa por uma grande transformação, eles sempre são capazes de se readaptar.

Vivemos um momento doloroso, fundamentalmente para parentes e amigos das vítimas, mas que também é uma possibilidade de readaptação não apenas para indivíduos, mas para a humanidade.

Isto significa que, preservada e tratada a saúde imediata do maior número possível de pessoas no mundo todo, com as devidas cobranças, ações e precauções coletivas recomendadas diante da Covid-19, tais mudanças externas podem ser catalisadoras de transformações interiores e, consequentemente, de concepções e ideais partilhados que movem grandes questões sociais.

Tudo bem ficar (um pouco) ansioso durante a quarentena. Ao indivíduo, na maioria das vezes, a ansiedade é apenas a precursora de um momento ou um período mais prazeroso e melhor.

Algumas vezes não desejamos as mudanças e podemos ficar bem e confortáveis com a sensação de que está tudo igual. Em outras tantas, as desejamos, mas não sabemos como concretizá-las. Por fim, existem momentos como esse, quando as mudanças chegam sem perguntar e o que nos resta é, simplesmente, construir um destino para elas.

O resto é desejo.