Trump e Musk – O declínio do império americano e da democracia liberal

Mas certamente para esta época que prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a fantasia à realidade, a aparência à essência, é esta transformação, exatamente por ser uma desilusão, uma destruição absoluta ou uma pérfida profanação, porque sagrada é somente a ilusão, mas profana a verdade. Sim, esta sacralidade aumenta na mesma proporção em que a verdade diminui e a ilusão aumenta, de forma que o que é o mais alto grau de ilusão é também o mais alto grau de sacralidade. – Ludwig Feuerbach em A essência do cristianismo, ed. Vozes, 2007, p.25.

Na madrugada da última quarta-feira, 06.11.2024, Donald Trump – um criminoso bilionário e famoso por ter participado de um reality show patético – foi extraoficialmente eleito, novamente, para presidente dos Estados Unidos da América. No conservador sistema eleitoral daquele país, um candidato do Partido Republicano voltou a vencer as eleições também no voto popular. O último havia sido George W. Bush, em sua reeleição, após o 11 de setembro de 2001.

Elon Musk cumprimenta Donald Trump em evento oficial de campanha. Imagem: Jim WATSON / 31.out.2024-AFP.

Mesmo sem nutrir qualquer esperança de que um mal menor aconteceria à América Latina – fosse eleita Kamala Harris -, assisti, ainda assim incrédulo, um mitômano golpista, racista e misógino fazendo uma propaganda de outro bilionário – Elon Musk – durante muitos minutos, no microfone em que discursava para o planeta. Naquele palco de extremistas encontravam-se, também, Dana White, dono do UFC , que proferiu algumas palavras aos gritos e Joe Rogan, ex-lutador de MMA, comediante de stand-up e maior podcaster do mundo.

O retorno de Donald Trump à Casa Branca e a indireta coroação de Elon Musk (sim, porque ele acaba de se tornar o ser humano mais poderoso do mundo sem nenhum voto) são uma consequência do declínio do império americano e, concomitantemente, a própria representação dessa derrocada geopolítica. O tempo mostrará se essa eleição também será percebida como um marco da falência da democracia liberal e o início de uma consolidação de autocracias, ditaduras e um totalitarismo do capital tecnológico em escala mundial.

Abaixo, analiso como a eleição de Trump – também pelo voto popular – representa a trajetória desse Titanic na geopolítica, assumindo que o iceberg que leva ao seu consequente naufrágio na própria geopolítica já está bastante visível a você, caro leitor.

Nesse artigo, você lerá:

Capitão Trump e o marujo Musk
Do liberalismo ao ultraliberalismo – o desespero diante do iceberg
A política ultraliberal é o extremismo
O X do problema: a alienação no não-sentido
Capitão Musk e o marujo Trump
Anexo| Editorial Bloomberg – Por que os contribuintes deveriam dar 83 bilhões de dólares por ano aos grandes bancos?

Capitão Trump e o marujo Musk

Donald Trump e Elon Musk são raros vendedores sem escrúpulos, porque, também, megalomaníacos. Ou seja, ambos são salafrários narcisistas e exibicionistas, daqueles que não se escondem após um golpe. Ao contrário, correm para os holofotes. Agora, unidos, como se fossem um Noé vendendo uma arca para as massas do globalismo quando precipita o dilúvio no império.

Trump e Musk não são somente herdeiros de fortunas erguidas da exploração imoral de miseráveis; eles são herdeiros do racismo, da misoginia, do ódio, de crimes e, ainda, usurpadores de dinheiro público. A base dos seus impérios não é o mérito, mas uma herança construída pela amoralidade inerente ao capitalismo, pelo oportunismo e transgressões às próprias regras do inescrupuloso mercado financeiro. Ambos, agora juntos, representam uma só necroliderança a quem resta avançar de forma sádica, violentando quem está abaixo, ou seja, 99% da população mundial.

“Eu sou um grande defensor do livre mercado, e o governo precisa sair do caminho”. Donald, o autor dessa frase, deve sua fortuna à exploração imobiliária do pai, Fred Trump, que construiu prédios populares durante a Segunda Guerra Mundial, em Nova Iorque, com subsídios públicos e práticas discriminatórias. Ao obterem contratos lucrativos com o governo para a construção de moradias estabeleceram um império marcado pelo racismo e por fraudes. Ambos foram processados por barrarem pessoas pretas de alugarem os seus imóveis.

Elon é filho de Errol Musk, negociante de terrenos valorizados na África do Sul durante o apartheid e dono de uma mina de esmeraldas na Zâmbia – território saqueado por interesses estrangeiros. Esse capital familiar financiou Elon. Longe de ser o “self-made” visionário que muitos celebram, ele construiu o seu império com pesados subsídios de dinheiro público. Empresas como Tesla, SpaceX e SolarCity receberam bilhões em apoio governamental, uma contradição gritante para alguém que se diz contra “interferência estatal”.

Imagem autoral do site Café com Pepino, gerada por ‘inteligência’ artificial.

A Tesla já recebeu mais de US$2 bilhões em incentivos fiscais e subsídios para construir suas fábricas e para produzir. Suas empresas prosperaram com o respaldo estatal, em um modelo onde o público assume os riscos, enquanto os lucros vão para o bolso de Musk e seus acionistas. Esse modelo é um exemplo do “capitalismo de compadrio”, onde empresas como as de Musk e Trump se sustentam com dinheiro público enquanto promovem um discurso de “livre mercado”.

De fato, Trump e Musk carregam uma herança de fraudes. Trump ampliou o seu império com práticas imobiliárias predatórias e falências estratégicas, deixando para trás comunidades empobrecidas e burlando a lei para se esquivar de dívidas, sem qualquer remorso aparente. Ainda, a Trump Organization, por exemplo, foi proibida de realizar novos negócios em Nova Iorque. Musk já foi punido por manipulação de mercado com a Tesla, práticas de vendas enganosas, propaganda enganosa e manipulação do mercado de criptomoedas.

Trump profere discursos racistas ao falar de “DNA ruim” de imigrantes e ao chamar mexicanos de “estupradores”, aprofundando divisões e propagando o ódio. Musk, por sua vez, promove contas racistas e neonazistas no X e fomenta o crescimento do discurso de ódio com suas declarações, acobertado pelo falso manto de “liberdade de expressão”, além de promover uma cultura na Tesla em que funcionários pretos já relataram ser chamados de “escravos” e mulheres foram assediadas.

Trump e Musk são mais do que empresários e, agora, escolhidos como comandantes de um império no seu ocaso; eles são símbolos da própria decadência de um sistema que explora, desumaniza e perpetua o racismo e a desigualdade. Ambos se apoiam em práticas que visam à ampliação de suas heranças a partir do Estado, para depois buscarem destruí-lo para reinarem com seus sócios. São aspirantes a ditadores de um regime totalitário onde eles são a lei às custas da vida, da dignidade e da justiça social.

Do liberalismo ao ultraliberalismo – o desespero diante do iceberg

Para os autores clássicos – por exemplo, o contratualista inglês John Locke e o pensador francês Alexis de Tocqueville – entre muitas diferenças, a democracia liberal seria uma estrutura que equilibraria a liberdade individual e o poder político, fundamentada no respeito aos direitos individuais e na proteção contra eventuais abusos do Estado. Tais entendimentos são perfeitamente compreensíveis quando levamos em conta que eles foram aristocratas que viveram nos séculos XVII e XIX, respectivamente; separados, em suas análises, pelos impactos da Revolução Francesa.

Suposto iceberg que afundou o Titanic, fotografado pelo chefe de serviço do navio SMS Prinz Adalbert /Crédito: Wikimedia Commons

Já os pensadores contemporâneos da teoria crítica – como o alemão Jürgen Habermas e a norte-americana Nancy Fraser – complexificam essa visão essencialista da democracia liberal, destacando os seus limites nos desafios associados à desigualdade econômica, à necessária proteção ao pluralismo cultural e à prevalência do neoliberalismo a partir dos anos 1980, com a consolidação do globalismo. No debate público do primeiro quarto desse século XXI até a grande crise do capital de 2007-8, parecia inquestionável a necessidade de uma democracia efetiva que não só deveria proteger as liberdades individuais, mas que também respondesse às demandas crescentes por justiça social e por uma real inclusão de bilhões de pessoas abandonadas pelo capitalismo.

No entanto, desde então, grandes agentes do capital – em seu inerente aprofundamento das contradições que gera – não retrocederam diante dos limites ou buscaram dirimir os efeitos desumanos do neoliberalismo. Valendo-se do ecossistema das redes sociais virtuais, fabricados pelas Big Tech, eles promoveram a alavancagem – um investimento sem lastro, mas aqui pode ser compreendido como um investimento naquilo que não possui lastro na realidade – do discurso de expoentes de um pensamento mítico do liberalismo, muito mais próximos do misticismo do que das bases de sua própria doutrina original: os ultraliberais.

O ultraliberalismo é a radicalização do neoliberalismo, o avanço amoral do capital sobre a esfera pública, a tomada explícita do Estado para os seus interesses. Ele é uma força que distorce o sentido de liberdade e autonomia – esvaziando o espaço público e a solidariedade social – ao impor políticas econômicas para si em detrimento de políticas sociais de redistribuição e acesso às riquezas. Ele criou uma cultura violenta de competição extrema e do individualismo exacerbado, na qual os riscos e as perdas são de todos, menos daqueles que a modelam. Aliás, seus agentes não correm risco algum, porque esse sempre é assumido pelo Estado e pelos contribuintes.

A política ultraliberal é o extremismo

Para imporem tamanha violência contra os interesses e demandas vitais de bilhões de pessoas, tais agentes e ideólogos precisam, necessariamente, de figuras públicas com aspirações messiânicas, místicas e totalitárias. Aqueles que encarnam o valor do individualismo, enquanto concentram o poder decisório que deveria ser regido pelas instituições democráticas.

Nesse sentido, a primeira vitória do extremismo econômico e político nas democracias liberais foi o deslocamento do debate público, a partir de um ataque simbólico massivo àquilo que era consensual, pactuado e sobre o qual não havia discussão alguma. Incluso o eixo do conhecimento acumulado pela espécie humana ao longo da sua história e da sua sobrevivência. Isso é o negacionismo.

No entanto, para deslocar o debate público não é necessário adentrá-lo com argumentos, teses, expressões artísticas ou raciocínios sofisticados. Não é preciso demonstrar nenhuma construção ou pensamento. Basta deslocar o meio onde ele acontece.

Logotipo do extinto programa argentino ‘CQC’, que foi transmitido no Brasil de 2008 a 2015, pela TV Bandeirantes. Ele e o programa da socialite Luciana Gimenez, na TV Gazeta, popularizaram a figura grotesca de Jair Bolsonaro.

No Brasil, por exemplo, posso afirmar que esse ataque inicial do ultraliberalismo partiu da deep web, através do finado astrólogo e maníaco Olavo de Carvalho, que formou gerações de “influencers” que jamais haviam aberto um livro na vida, mas que hoje possuem milhões de seguidores e doutrinaram outros milhares de “influencers”.

Olavo foi um farsante chulo travestido de ideólogo messiânico autoexilado na Virgínia, que atuou dos Estados Unidos – desde o início dos anos 2000 – para desestabilizar o país; como tantas outras figuras tropicais que sempre encontraram amparo, apoio e incentivo no império, sobretudo, na Flórida. Entre delírios e palavrões, o discurso do astrólogo era o de um ressentido para ressentidos, sobretudo jovens. Assim, sua influência foi financiada e amplificada no Brasil após a internalização – à força – da crise de 2007-8, em 2013. Naquele ano, as bases do neofascismo brasileiro já estavam semeadas há muito tempo e apenas frutificaram aos pés do ultraliberalismo, como um escudo materializado, em um primeiro momento, no Movimento Brasil Livre – MBL (sic).

Porém, ao ultraliberalismo não basta acusar de doutrinador um intelectual do porte de Paulo Freire, enquanto ele próprio doutrina crianças e jovens com o jogo Banco Imobiliário, filmes, desenhos ou compra alguns servidores de carreira pública, como juízes, promotores, policiais ou escolhe diretores de bancos centrais e ministros da fazenda. Agora, ele precisa adentrar no Estado com alguma legitimidade popular tanto para atuar sem amarras em seu benefício, quanto para controlar o monopólio da violência sem limites legais, contra a própria população. Nos legislativos, esse nunca foi um problema, já que vereadores, deputados e senadores podem, facilmente, ser fabricados pelo dinheiro. O próprio, nos casos dos grandes empresários e fazendeiros, ou o de outrem (não todos os políticos, evidentemente).

A questão é que chefes do executivo federal são figuras altamente expostas e ficam à mercê do escrutínio público na sociedade do espetáculo. Fabricá-los não basta mais, eles precisam ter uma liderança carismática e popular, como demonstraram Max Weber, na teoria, e José Serra, na prática.

Na simbiose entre o capital e o fascismo, a estratégia de promover figuras midiáticas às presidências mundo afora tornou-se muito mais fácil após a era Ronald Reagan – ator de Hollywood, republicano, 40º presidente dos Estados Unidos e pai político do neoliberalismo (a mãe foi a primeira ministra inglesa, Margareth Tatcher, conhecida como a “Dama de Ferro”).

Desde então, para ficarmos em alguns exemplos, tivemos o Terminator e republicano Arnold Schwarzenegger, como governador da Califórnia, o humorista Volodymyr Zelensky, eleito presidente da Ucrânia após um golpe promovido pelos Estados Unidos. Temos, ainda, um político brasileiro fascista, expulso das FFAA, com três décadas de carreira anônima no esgoto do Congresso, mas que foi alçado à popularidade pela mídia brasileira – ávida pelo grotesco e por audiência – para, depois de mais um golpe promovido pelos Estados Unidos, ser lapidado pelo capital nas redes sociais virtuais, como o novo presidente da República Federativa do Brasil.

O fato inexorável é que um perfil de líder carismático tornou-se cada vez mais essencial aos interesses do capital na sociedade de consumo e do espetáculo. Até ao ponto em que o líder não é mais, somente, um fantoche; ele é a personificação que coincide com o – outrora anônimo – interesse do ultraliberalismo. Esse é Donald Trump, que não seria presidente novamente sem Elon Musk. Momentaneamente faces da mesma moeda, sócios em um empreendimento, numa necroliderança movida à pulsão de morte, exatamente para que ambos possam continuar lucrando e dando vazão à megalomania. Porque, para tanto, agora precisam destruir a democracia, as esferas públicas e os interesses populares, custe o que custar – ‘CQC’, diria Javier Milei na TV argentina, onde se tornou popular.

A propósito, não seria um disparate intuirmos que Javier Milei é um balão de ensaio do ultraliberalismo a ser adotado por Trump. Algo que o binômio Paulo Guedes – Bolsonaro tentou, mas não conseguiu. Assim como o ditador Augusto Pinochet foi o vetor do neoliberalismo que testou a doutrina do choque da escola de Chicago, que posteriormente foi implementada por Reagan e Tatcher e imposta ao restante do mundo, com a queda do muro de Berlim.

O X do problema: a alienação no não-sentido

Assim, o debate público foi deslocado – de questões sobre como reverter e superar os limites e as contradições do neoliberalismo – por uma ruptura com o eixo estabilizador dos discursos em torno de pressupostos básicos da cultura ocidental. Nesse sentido, as novas linguagens hiperestimuladas pelos algoritmos das Big Tech (que impactaram diretamente as TVs) se tornam chave para compreendermos como deixamos de discutir a política, para ter que defendê-la – enquanto único meio possível de convivência – diante de tantos defensores de golpes militares e torturadores.

Mais, ao invés de as redes se transformarem em poderosos espaços para a população pressionar os rumos das políticas social, econômica e monetária, passamos a ter que defender que vacinas são um avanço da ciência e que a Terra não é plana. Isso revela como o grotesco e o absurdo foi instaurado enquanto uma estratégia – que envolve o uso tático de bombas semióticas e a disseminação massiva de mentiras – do ultraliberalismo. Quanto maior for o absurdo, a atrocidade, a mentira e a violência simbólica que tais dispositivos perpetram, maior o alcance e visibilidade eles terão no ecossistema das redes sociais virtuais.

Por isso, os agentes do binômio ultraliberalismo-fascismo se vendem como “antissistema”, porque eles são, antes de mais nada, meios daquilo que era o inaceitável à cultura e à mínima civilidade no capitalismo pré-crise. Habitando os dois polos do binômio que representam, de fato, eles são um concentrado de tudo o que anteriormente havia de podre no neoliberalismo – suas patologias socioeconômicas.

Tudo isso, claro, com o objetivo de controlar o destino material da massa de seres humanos que representa 99% da população mundial e detém somente 1/3 da riqueza.

Ampliando o caráter e o papel da alienação na obra de Karl Marx, o absurdo que norteia o debate público contemporâneo – e o não-sentido, em um segundo momento – extrapola a dimensão de uma desconexão do trabalhador com a sua própria natureza social, econômica e política. O alienado pelas redes sociais virtuais é praticamente imune àquilo que o filósofo prussiano da economia política chamou de consciência de classe. Porque tal alienação é, antes, um meio de reconexão com a sua natureza primitiva, bárbara. Ela opera como uma libertação do neurótico através de uma psicotização sociopolítica.

O não-sentido – pensado e posto em pratica racionalmente pelos agentes do ultraliberalismo – libertou à força o reprimido em largas fatias das massas. Especialmente naquele indivíduo desejante e ressentido pelas promessas não entregues pela sociedade de consumo e pela democracia liberal, cuja maior manifestação é o império dos Estados Unidos da América, anteparo maior e, até aqui, o organizador dos interesses do capital.

Naqueles em que essa nova forma de alienação é bem sucedida, nada resta de potencial criador da transformação, senão a sua perpetuação alienada na efeméride consumista. Seja ao trabalhador comum, ao desempregado, ao precarizado, ao terceirizado e aos uberizados sem garantia social alguma. Porque não lhes foi deixada margem à elaboração crítica, um mínimo espaço lógico para a mobilização da sua consciência coletiva; somente lhes é ofertada a dissipação da sua energia direcionada aos objetos especificamente apontados na cultura de massas. O consumo, o ódio, o gozo, a morte.

No entanto, diferentemente dos objetos de consumo, os objetos apontados ao ódio não são aqueles representados pelos agentes ultraliberais, mas aqueles tantos nos quais ainda reside alguma energia potencial, não esvaziada, não instrumentalizada por completo. Aqueles cada vez mais fundamentais que carregam um vir-a-ser força transformadora que engendra um verdadeiro nexo coletivo e popular.

Capitão Musk e o marujo Trump

Na primeira seção desse artigo, me detive por algum tempo refletindo se a intitularia Capitão Trump e o marujo Musk ou Capitão Musk e o marujo Trump. Até o momento em que realizei o óbvio: não importa, porque tratamos da representação de um só algo – um grande algo – que está em declínio, o qual é representado por ambos, isoladamente ou somados.

Imagem autoral do site Café com Pepino, gerada por ‘inteligência’ artificial.

Ainda assim, precisamos distinguir os agentes do ultraliberalismo que dele se beneficiam, daqueles que reproduzem inconscientemente o campo simbólico e os interesses dos primeiros. Os agentes, de fato, referem-se, predominantemente, ao espectro em torno do 1% da população mundial que detém 2/3 da riqueza. Já aqueles que reproduzem tais interesses são muitos e cada vez mais numerosos nas massas.

Porém, não há, entre o 99%, uma só ideologia organizada ou visão de mundo estruturante de um determinado grupo que seja mecanicamente aderente a tais interesses.

De tal forma, se podemos facilmente notar discursos instrumentalizados pelo ultraliberalismo na fonte do pensamento místico – portanto, aquela dos fundamentalistas religiosos, membros de seitas e afeitos às teorias da conspiração -, não poderíamos deixar de atestar que tal serventia também brota do cientificismo estéril que busca, em contrapartida, legitimar somente aquilo que é possível de ser visto em um microscópio.

Os exemplos de pares de opostos poderiam ser muitos, desde que compreendamos que eles não mais se opõem em uma disputa por sentidos, mas se complementam nessa nova etapa de um capitalismo hipertecnológico e extremo. Em uma sociedade imagética, a psicotização sociopolítica soergue da radicalização-do-discurso-oposto em função da sua forma, da sua performance e da sua estética, não do seu conteúdo.

No espaço virtual dos algoritmos das Big Tech, a atuação (performance) calcada na estridência e na contundência aumentam a audiência, independentemente de noções e valores associados a um sentido público, ético, moral ou sociopolítico. Precisamente, porque tais gritos de ‘certeza’ oferecem uma boia de sobrevivência simbólica e de gozo ao sujeito entrópico, cuja gênese propus no ensaio O sujeito entrópicoUm ensaio sobre redes sociais, estrutura, reconhecimento e consumismo.

Assim, rompendo a pedra fundamental da filosofia grega – o método socrático – reinam o absurdo e o não-sentido na ágora (ἀγορά) contemporânea. O absurdo diz da nossa defesa psíquica, enquanto o não-sentido diz do nosso desejo. Ambos, nos tempos atuais, propiciam a ascensão política de representantes do ultraliberalismo-fascismo com apoio popular, como podemos notar no Brasil, com a eleição de inúmeros influenciadores digitais – muito além do bolsonarismo – e, também, com os representantes máximos dessa estratégia do capital: Donald Trump e Elon Musk.


Anexo ilustrativo | Editorial da revista norte-americana, sobre o mercado financeiro, Bloomberg News, em 20 de fevereiro de 2013.

Por que os contribuintes deveriam dar 83 bilhões de dólares por ano aos grandes bancos?

Na televisão, em entrevistas e reuniões com investidores, executivos dos maiores bancos dos EUA – especialmente o CEO do JPMorgan Chase & Co., Jamie Dimon – defendem que o tamanho é uma vantagem competitiva. Eles argumentam que ser grande os ajuda a reduzir custos e a competir por clientes em escala internacional. Limitar esse tamanho, alertam, prejudicaria a lucratividade e enfraqueceria a posição do país nas finanças globais. E se disséssemos que, segundo nossos cálculos, os maiores bancos dos EUA não são realmente lucrativos? E se os bilhões de dólares que alegadamente geram para seus acionistas fossem quase totalmente um presente dos contribuintes americanos? Certo, é um conceito difícil de aceitar. Mas é crucial para entender por que os grandes bancos representam uma ameaça tão grande à economia global.

Comecemos com um pouco de contexto. Os bancos têm um forte incentivo para crescer e se tornar desajeitadamente grandes. Quanto maiores, mais desastrosa seria sua falência e mais certa a possibilidade de um resgate governamental em uma emergência. O resultado é um subsídio implícito: os bancos potencialmente mais perigosos conseguem empréstimos a taxas mais baixas, pois os credores os percebem como “grandes demais para falir”. Recentemente, economistas tentaram calcular exatamente quanto esse subsídio reduz os custos de financiamento dos grandes bancos. Em um esforço relativamente abrangente, dois pesquisadores – Kenichi Ueda, do Fundo Monetário Internacional, e Beatrice Weder di Mauro, da Universidade de Mainz – estimaram que essa redução seja de cerca de 0,8 ponto percentual. O desconto se aplica a todas as suas obrigações, incluindo títulos e depósitos de clientes.

Pequeno, mas Impactante

Pode parecer pouco, mas uma diferença de 0,8 ponto percentual faz uma enorme diferença. Multiplicada pelo total das obrigações dos 10 maiores bancos dos EUA em ativos, equivale a um subsídio dos contribuintes de 83 bilhões de dólares por ano. Para contextualizar, é como se o governo desse aos bancos cerca de 3 centavos de cada dólar arrecadado em impostos. Os cinco maiores bancos – JPMorgan, Bank of America Corp., Citigroup Inc., Wells Fargo & Co. e Goldman Sachs Group Inc. – representam 64 bilhões desse total, um valor aproximadamente igual aos seus lucros anuais típicos. Em outras palavras, os bancos que dominam o setor financeiro dos EUA – com quase 9 trilhões de dólares em ativos, mais da metade do tamanho da economia americana – apenas se equilibrariam sem esse “bem-estar corporativo”. Em grande parte, os lucros que relatam são essencialmente transferências dos contribuintes para seus acionistas.

Nem os executivos dos bancos nem os acionistas têm muitos incentivos para mudar essa situação. Pelo contrário, a indústria financeira gasta centenas de milhões de dólares em cada ciclo eleitoral com doações de campanha e lobby, grande parte destinado a manter o subsídio. O resultado é um setor financeiro inchado e ciclos recorrentes de crédito excessivo. Se nada for feito, os super-bancos podem eventualmente exigir resgates que excedam os recursos do governo. Imagine um colapso em que o Tesouro esteja impotente para agir como fez em 2008 e 2009.

Os reguladores podem mudar esse jogo reduzindo o subsídio. Uma opção é exigir que os bancos financiem suas atividades com mais capital dos acionistas, o que os tornaria menos propensos a precisar de resgates (sugerimos 1 dólar de capital para cada 5 dólares de ativos, muito mais do que a proporção de 1 para 33 exigida pelas novas regras globais). Outra ideia é chocar os credores, fazendo com que alguns deles assumam perdas quando os bancos enfrentarem problemas. Uma terceira opção é impedir que os bancos usem o subsídio para financiar operações especulativas, o objetivo da regra Volcker nos EUA e da separação bancária no Reino Unido.

Uma vez que os acionistas compreendam totalmente o quão mal os maiores bancos operam sem o apoio do governo, eles se veriam motivados a exigir melhorias. Isso poderia incluir desde a redução dos pacotes de pagamento até o desmembramento de gigantes financeiros em unidades mais gerenciáveis. A disciplina de mercado pode não agradar aos executivos, mas certamente seria uma melhora em relação a pagar bancos para nos colocar em perigo.

 

Palestina, Israel, antissemitismo, neonazismo e Brasil

À luz dos fatos – Israel, antissemitismo e neonazismo

Um judeu não é, necessariamente, israelense. Um israelense não é, necessariamente, judeu. Um judeu não é, necessariamente, sionista. Um israelense não é, necessariamente, sionista. Um sionista não é, necessariamente, de direita ou esquerda. Um antissionista não é, necessariamente, de direita ou esquerda. Um antissionista não é, necessariamente, um antissemita. Judeus, israelenses e árabes não são, necessariamente, religiosos. As combinações são múltiplas, porque, como disse Hannah Arendt, quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra. Àqueles que não toleram a pluralidade, os chamamos intolerantes. Quando os intolerantes desumanizam o outro em sua condição, os chamamos fascistas. Um intolerante não é, necessariamente, um antissemita. Nem um fascista é, necessariamente, antissemita.

Todavia, o fascismo e o antissemitismo são pressupostos do neonazismo. Um adendo fundamental: apesar do termo semita no imaginário popular referir-se somente aos judeus, ele é relativo ao grupo étnico e linguístico ao qual se atribui Sem como ancestral, um personagem do livro Gênesis, filho de Noé. Portanto, segundo o Antigo Testamento, os povos semitas são os hebreus, assírios, aramaicos, fenícios e árabes; e antissemita é aquele cujo ódio, étnico, direciona-se contra os membros ou os descendentes desses povos. Assim, sem contradição mítica, histórica e lógica alguma, mas sempre nutrido de ódio direcionado a um semita que ele desumaniza, um outro semita pode ser, também, um antissemita. Um antissemita é um neonazista quando inspira-se na ideologia e estética nazista, cultuando os seus símbolos e propagando o seu discurso, ainda que nas sombras dos porões e da deep-web. Quando ele externaliza o seu ódio no campo simbólico, sociocultural, organizando-se politicamente, vocalizando e expressando a sua ideologia e empenhando os seus esforços físicos e mentais em práticas e ações cujo objetivo final pressupõe, enquanto projeto político, exterminar a existência de um outro em razão da sua origem semita, mas não somente. Um neonazista, muito provavelmente, também defenderá o extermínio de outros grupos étnicos, identitários, políticos e/ou econômicos, como ciganos, pobres, gays, negros, trans, socialistas ou comunistas.

Criticar o Estado de Israel não é desejar a sua abolição. Defender a constituição do Estado da Palestina não é antissemitismo. Defender um único Estado, partilhado igualmente e sob as mesmas leis para árabes e judeus não é antissemitismo. Criticar o Estado de Israel não é antissemitismo, porque um Estado é uma organização político-administrativa governada por uma composição política, submetido a uma constituição, a leis, tratados, acordos e organismos internacionais que desautorizam expressamente quaisquer medidas que promovam o higienismo visando a uma supremacia étnica em seu território. São vários os casos, ao longo da história, dos grupos e movimentos que tentaram fazê-lo. O mais conhecido, em função do essencial trabalho de preservação da memória por parte das entidades judaicas, foi o nazismo, que, vale ressaltar na era da desinformação, foi um movimento ideológico e político de extrema direita.

Por fim, um Estado moderno não confunde-se totalmente e somente com um grupo étnico. Sigmund Freud, que sofreu muito com o antissemitismo europeu, um dos mais brilhantes teóricos da humanidade e que nos legou a psicanálise, talvez dissesse que seria prudente aquele que compreende toda e qualquer crítica a Israel enquanto uma manifestação antissemita, antes de externalizar a sua crítica ou ódio por aquele que ele supõe ser antissemita, investigar em si aquilo que, talvez, o seu próprio Eu invista no outro. A começar pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que já afirmou que Hitler não tinha intenção de matar judeus e teria sido convencido por um ex-líder islâmico de Jerusalém a executá-los, relativizando o papel do nazismo no Holocausto e revelando, há anos, aquilo que se apresenta agora como um projeto antissemita e neonazista de extermínio do povo árabe palestino.

O governo de Israel tem ministros neonazistas. Isso realmente lembra a Alemanha em 1933.

Quem disse a frase acima ao jornal israelense Haaretz, há 1 ano, foi Daniel Blatman, historiador judeu e israelense que obteve um Ph.D., summa cum laude (a maior distinção em uma titulação acadêmica), enquanto foi, ao mesmo tempo, professor sênior de Judaísmo Contemporâneo pelo Instituto de Judaísmo Contemporâneo da Universidade Hebraica de Jerusalém e descrito como um acadêmico excepcional pelo Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.

Manifestações – Brasil e Israel

No dia 18 de fevereiro de 2024, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, após participar da reunião da cúpula da União Africana em Adis Abeba, Etiópia, e reiterar a repulsa dele e do Estado brasileiro aos atos de terrorismo do Hamas, bem como ao genocídio em curso na Faixa de Gaza, disse em uma entrevista:

O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.

Lula respondeu a uma pergunta em uma entrevista, portanto, de improviso, demonstrando consternação diante de algo que é excepcional e estarrecedor, não convencional e horrível. Entretanto, apesar do improviso, não há qualquer equívoco fático nessa afirmação.

A fala gerou uma repercussão imediata na conjuntura interna. Sobretudo, por parte de uma ampla oposição orientada por extremistas de direita que pouco têm a dizer nos últimos meses, por estarem às voltas com inúmeras investigações sobre corrupção, omissão genocida na pandemia, crimes variados e a comprovada tentativa de Golpe de Estado. A indignação veio em uníssono por parte de algumas entidades judaicas que não representam a pluralidade da comunidade judaica brasileira e mundial, da imprensa, que aderiu imediata e acriticamente ao discurso, relembrando os seus tempos de Lava Jato, e por adeptos do bolsonarismo, enquanto expressão relevante do neofascismo brasileiro.

Jair Bolsonaro, interlocutor de neonazistas brasileiros e apoiado por eles, como demonstrou minha saudosa amiga Adriana Dias. O aliado dele, Roberto Jefferson que, além de receber a Polícia Federal a tiros, também abriu as portas do seu partido a neointegralistas. Bolsonaro que recebeu, com um largo sorriso no rosto, entusiasmados neonazistas alemães em seu gabinete, durante o exercício do seu cargo, enquanto chefe do Estado brasileiro. Aquele que adquiriu, por dezenas de milhões de reais, e utilizou um software israelense de espionagem e monitoramento de civis, desafetos, opositores e aliados.

Repercussão, portanto, para instrumentalizar os que restam bolsonaristas. Muitos dos quais usaram amplamente o símbolo máximo de Israel, a sua bandeira, em seus avatares durante as últimas duas campanhas presidenciais no Brasil, quando, também, bandeiras físicas de Israel disputavam espaços, em manifestações ilegais nas ruas do Brasil, com cartazes que pediam intervenção militar, fechamento do STF e o extermínio de opositores. Repercussão artificial, para mobilizar aqueles que ainda seguem o ex-presidente, que, mais do que um aliado, contou e conta com a ajuda de Benjamin Netanyahu. Instrumentalização daqueles que ainda são guiados por um grupo político com aspirações paramilitares, e que contam com um projeto político fascista e neonazista. Grupo que já havia agendado uma manifestação para o próximo domingo, 25 de fevereiro, para explicar aos seus adeptos aquilo que se recusam a explicar em entrevistas e depoimentos à justiça, apesar das delações já registradas e inúmeras provas colhidas. Posteriormente à reação da acuada extrema direita brasileira, a fala foi amplificada, hiperdimensionada e deturpada, numa resposta desmedida e jamais vista, pelo corpo diplomático do governo Netanyahu.

Ao contrário da mentira que a isolada diplomacia israelense difundiu de maneira tosca, rasa, grosseira e escatológica nas redes sociais virtuais, Lula não negou o Holocausto e não foi antissemita. Ele afirmou o horror que foi o Holocausto e a sua excepcionalidade na contemporaneidade. Além, ele traçou, sim, um paralelo histórico pertinente, com fins retóricos, entre a ação deliberada de Hitler e do partido nazista, ao arrepio da comunidade internacional, de exterminar judeus e a excepcionalidade da ação deliberada de Netanyahu e do seu grupo na Faixa de Gaza, ao arrepio de acordos atuais e aqueles jamais cumpridos, que remontam à origem da ONU e à origem do próprio Estado israelense.

A esta altura, há uma profusão de comprovações de crimes de guerra e acusações gravíssimas de genocídio, tantas quantas as provas dos crimes do bolsonarismo, que, entre outros, mataram centenas de milhares de pessoas durante a pandemia. Por isso, grande parte da comunidade internacional apoiou a fala de Lula e a imensa maioria das manifestações nas redes sociais virtuais, em inglês, exaltaram o presidente. As manifestações em português, nas primeiras horas, foram massivamente críticas a Lula e comprovadamente não foram orgânicas. Ou seja, foram orquestradas por opositores e impulsionadas por robôs, em um modus operandi idêntico ao que alçou o fascismo brasileiro ao poder, com a disseminação de distorções, mentiras e ódio. No segundo dia, a tendência inverteu-se completamente, fazendo com que a imprensa brasileira recuasse de toda a sua assertividade mecânica, acrítica e a serviço de um projeto político internacional fascista e neonazista.

A diplomacia brasileira entrou em ação, respondendo duramente ao disparate da atualmente ridicularizada diplomacia israelense. Diplomatas são os primeiros a perderem a credibilidade e a real função em regimes que desejam a guerra.

Manifestações – Estados Unidos e Israel

Ontem, 20 de fevereiro de 2024, no Conselho de Segurança da ONU, os EUA vetaram mais uma vez uma proposta de cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

Estamos a poucos dias do início do Ramadã, prazo limite dado por Israel para a libertação dos reféns feitos pelo Hamas ou para o início de uma ofensiva terrestre, coordenada com os EUA e o Egito, em Rafah, sul de Gaza. Lá estão 1,5 milhão de sobreviventes palestinos deslocados e encurralados pelas fronteiras estabelecidas ilegalmente por Israel. A esta altura, o veto já não é revelador em sua recorrência cega, mas persiste estarrecedor diante da possibilidade concreta de que a intensificação do genocídio – que não é guerra, em função da avassaladora assimetria de forças – possa levar a uma escalada ainda mais catastrófica, arrastando o mundo para uma guerra que pode envolver países africanos, todo o oriente médio e as potências mundiais.

As palavras finais lidas pela embaixadora estadunidense Linda Thomas-Greenfield, de um discurso elaborado previamente, foram:

Dito isto, pretendemos fazê-lo da forma correta, para que possamos criar as condições adequadas para um futuro mais seguro e pacífico. E continuaremos a empenhar-nos ativamente no árduo trabalho de diplomacia direta no terreno até chegarmos a uma solução final.

Após um breve discurso, escrito por um grupo de diplomatas, com o efeito prático de vetar o cessar-fogo imediato e autorizar a continuação de um genocídio, uma limpeza étnica que já conta com 30 mil mortos, entre os quais 10 mil mulheres e crianças, a embaixadora dos EUA termina dizendo que o seu país está se empenhando ativamente no trabalho de encontrar uma ‘solução final’? Essa é a expressão mais conhecida da gramática do ódio nazista e que sintetiza o horror levado à cabo pela ascensão do partido nazista, descrito de forma primorosa pela filósofa Hanah Arendt.

No Brasil não houve repercussão até agora. Netanyahu e a diplomacia israelense também permanecem em silêncio.

Enquanto diplomatas continuam sendo os primeiros a perderem a credibilidade e a real função em regimes que desejam a guerra, centenas de milhares de feridos e quase 2 milhões de pessoas estão privadas de remédios, água, comida, hospitais, casas e energia elétrica. Condições que um experiente médico militar francês, que atuou em diversas guerras e retornou após três semanas em Gaza, descreveu ao jornal Le Figaro:

Normalmente, os civis podem fugir dos combates. Lá é impossível. A população não tem onde se proteger. Centenas de milhares de pessoas vagam pelas ruas em busca de água e comida. (…) Nunca vi nada comparado à Gaza. (…) Acho que (a situação) pode ser semelhante à do Gueto de Varsóvia.

O jornal completou, explicando que o Gueto de Varsóvia foi onde 380 mil judeus foram amontoados pelos nazistas desde 1940, em condições de vida desumanas.