Palestina, Israel, antissemitismo, neonazismo e Brasil


À luz dos fatos – Israel, antissemitismo e neonazismo

Um judeu não é, necessariamente, israelense. Um israelense não é, necessariamente, judeu. Um judeu não é, necessariamente, sionista. Um israelense não é, necessariamente, sionista. Um sionista não é, necessariamente, de direita ou esquerda. Um antissionista não é, necessariamente, de direita ou esquerda. Um antissionista não é, necessariamente, um antissemita. Judeus, israelenses e árabes não são, necessariamente, religiosos. As combinações são múltiplas, porque, como disse Hannah Arendt, quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra. Àqueles que não toleram a pluralidade, os chamamos intolerantes. Quando os intolerantes desumanizam o outro em sua condição, os chamamos fascistas. Um intolerante não é, necessariamente, um antissemita. Nem um fascista é, necessariamente, antissemita.

Todavia, o fascismo e o antissemitismo são pressupostos do neonazismo. Um adendo fundamental: apesar do termo semita no imaginário popular referir-se somente aos judeus, ele é relativo ao grupo étnico e linguístico ao qual se atribui Sem como ancestral, um personagem do livro Gênesis, filho de Noé. Portanto, segundo o Antigo Testamento, os povos semitas são os hebreus, assírios, aramaicos, fenícios e árabes; e antissemita é aquele cujo ódio, étnico, direciona-se contra os membros ou os descendentes desses povos. Assim, sem contradição mítica, histórica e lógica alguma, mas sempre nutrido de ódio direcionado a um semita que ele desumaniza, um outro semita pode ser, também, um antissemita. Um antissemita é um neonazista quando inspira-se na ideologia e estética nazista, cultuando os seus símbolos e propagando o seu discurso, ainda que nas sombras dos porões e da deep-web. Quando ele externaliza o seu ódio no campo simbólico, sociocultural, organizando-se politicamente, vocalizando e expressando a sua ideologia e empenhando os seus esforços físicos e mentais em práticas e ações cujo objetivo final pressupõe, enquanto projeto político, exterminar a existência de um outro em razão da sua origem semita, mas não somente. Um neonazista, muito provavelmente, também defenderá o extermínio de outros grupos étnicos, identitários, políticos e/ou econômicos, como ciganos, pobres, gays, negros, trans, socialistas ou comunistas.

Criticar o Estado de Israel não é desejar a sua abolição. Defender a constituição do Estado da Palestina não é antissemitismo. Defender um único Estado, partilhado igualmente e sob as mesmas leis para árabes e judeus não é antissemitismo. Criticar o Estado de Israel não é antissemitismo, porque um Estado é uma organização político-administrativa governada por uma composição política, submetido a uma constituição, a leis, tratados, acordos e organismos internacionais que desautorizam expressamente quaisquer medidas que promovam o higienismo visando a uma supremacia étnica em seu território. São vários os casos, ao longo da história, dos grupos e movimentos que tentaram fazê-lo. O mais conhecido, em função do essencial trabalho de preservação da memória por parte das entidades judaicas, foi o nazismo, que, vale ressaltar na era da desinformação, foi um movimento ideológico e político de extrema direita.

Por fim, um Estado moderno não confunde-se totalmente e somente com um grupo étnico. Sigmund Freud, que sofreu muito com o antissemitismo europeu, um dos mais brilhantes teóricos da humanidade e que nos legou a psicanálise, talvez dissesse que seria prudente aquele que compreende toda e qualquer crítica a Israel enquanto uma manifestação antissemita, antes de externalizar a sua crítica ou ódio por aquele que ele supõe ser antissemita, investigar em si aquilo que, talvez, o seu próprio Eu invista no outro. A começar pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que já afirmou que Hitler não tinha intenção de matar judeus e teria sido convencido por um ex-líder islâmico de Jerusalém a executá-los, relativizando o papel do nazismo no Holocausto e revelando, há anos, aquilo que se apresenta agora como um projeto antissemita e neonazista de extermínio do povo árabe palestino.

O governo de Israel tem ministros neonazistas. Isso realmente lembra a Alemanha em 1933.

Quem disse a frase acima ao jornal israelense Haaretz, há 1 ano, foi Daniel Blatman, historiador judeu e israelense que obteve um Ph.D., summa cum laude (a maior distinção em uma titulação acadêmica), enquanto foi, ao mesmo tempo, professor sênior de Judaísmo Contemporâneo pelo Instituto de Judaísmo Contemporâneo da Universidade Hebraica de Jerusalém e descrito como um acadêmico excepcional pelo Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.

Manifestações – Brasil e Israel

No dia 18 de fevereiro de 2024, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, após participar da reunião da cúpula da União Africana em Adis Abeba, Etiópia, e reiterar a repulsa dele e do Estado brasileiro aos atos de terrorismo do Hamas, bem como ao genocídio em curso na Faixa de Gaza, disse em uma entrevista:

O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.

Lula respondeu a uma pergunta em uma entrevista, portanto, de improviso, demonstrando consternação diante de algo que é excepcional e estarrecedor, não convencional e horrível. Entretanto, apesar do improviso, não há qualquer equívoco fático nessa afirmação.

A fala gerou uma repercussão imediata na conjuntura interna. Sobretudo, por parte de uma ampla oposição orientada por extremistas de direita que pouco têm a dizer nos últimos meses, por estarem às voltas com inúmeras investigações sobre corrupção, omissão genocida na pandemia, crimes variados e a comprovada tentativa de Golpe de Estado. A indignação veio em uníssono por parte de algumas entidades judaicas que não representam a pluralidade da comunidade judaica brasileira e mundial, da imprensa, que aderiu imediata e acriticamente ao discurso, relembrando os seus tempos de Lava Jato, e por adeptos do bolsonarismo, enquanto expressão relevante do neofascismo brasileiro.

Jair Bolsonaro, interlocutor de neonazistas brasileiros e apoiado por eles, como demonstrou minha saudosa amiga Adriana Dias. O aliado dele, Roberto Jefferson que, além de receber a Polícia Federal a tiros, também abriu as portas do seu partido a neointegralistas. Bolsonaro que recebeu, com um largo sorriso no rosto, entusiasmados neonazistas alemães em seu gabinete, durante o exercício do seu cargo, enquanto chefe do Estado brasileiro. Aquele que adquiriu, por dezenas de milhões de reais, e utilizou um software israelense de espionagem e monitoramento de civis, desafetos, opositores e aliados.

Repercussão, portanto, para instrumentalizar os que restam bolsonaristas. Muitos dos quais usaram amplamente o símbolo máximo de Israel, a sua bandeira, em seus avatares durante as últimas duas campanhas presidenciais no Brasil, quando, também, bandeiras físicas de Israel disputavam espaços, em manifestações ilegais nas ruas do Brasil, com cartazes que pediam intervenção militar, fechamento do STF e o extermínio de opositores. Repercussão artificial, para mobilizar aqueles que ainda seguem o ex-presidente, que, mais do que um aliado, contou e conta com a ajuda de Benjamin Netanyahu. Instrumentalização daqueles que ainda são guiados por um grupo político com aspirações paramilitares, e que contam com um projeto político fascista e neonazista. Grupo que já havia agendado uma manifestação para o próximo domingo, 25 de fevereiro, para explicar aos seus adeptos aquilo que se recusam a explicar em entrevistas e depoimentos à justiça, apesar das delações já registradas e inúmeras provas colhidas. Posteriormente à reação da acuada extrema direita brasileira, a fala foi amplificada, hiperdimensionada e deturpada, numa resposta desmedida e jamais vista, pelo corpo diplomático do governo Netanyahu.

Ao contrário da mentira que a isolada diplomacia israelense difundiu de maneira tosca, rasa, grosseira e escatológica nas redes sociais virtuais, Lula não negou o Holocausto e não foi antissemita. Ele afirmou o horror que foi o Holocausto e a sua excepcionalidade na contemporaneidade. Além, ele traçou, sim, um paralelo histórico pertinente, com fins retóricos, entre a ação deliberada de Hitler e do partido nazista, ao arrepio da comunidade internacional, de exterminar judeus e a excepcionalidade da ação deliberada de Netanyahu e do seu grupo na Faixa de Gaza, ao arrepio de acordos atuais e aqueles jamais cumpridos, que remontam à origem da ONU e à origem do próprio Estado israelense.

A esta altura, há uma profusão de comprovações de crimes de guerra e acusações gravíssimas de genocídio, tantas quantas as provas dos crimes do bolsonarismo, que, entre outros, mataram centenas de milhares de pessoas durante a pandemia. Por isso, grande parte da comunidade internacional apoiou a fala de Lula e a imensa maioria das manifestações nas redes sociais virtuais, em inglês, exaltaram o presidente. As manifestações em português, nas primeiras horas, foram massivamente críticas a Lula e comprovadamente não foram orgânicas. Ou seja, foram orquestradas por opositores e impulsionadas por robôs, em um modus operandi idêntico ao que alçou o fascismo brasileiro ao poder, com a disseminação de distorções, mentiras e ódio. No segundo dia, a tendência inverteu-se completamente, fazendo com que a imprensa brasileira recuasse de toda a sua assertividade mecânica, acrítica e a serviço de um projeto político internacional fascista e neonazista.

A diplomacia brasileira entrou em ação, respondendo duramente ao disparate da atualmente ridicularizada diplomacia israelense. Diplomatas são os primeiros a perderem a credibilidade e a real função em regimes que desejam a guerra.

Manifestações – Estados Unidos e Israel

Ontem, 20 de fevereiro de 2024, no Conselho de Segurança da ONU, os EUA vetaram mais uma vez uma proposta de cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

Estamos a poucos dias do início do Ramadã, prazo limite dado por Israel para a libertação dos reféns feitos pelo Hamas ou para o início de uma ofensiva terrestre, coordenada com os EUA e o Egito, em Rafah, sul de Gaza. Lá estão 1,5 milhão de sobreviventes palestinos deslocados e encurralados pelas fronteiras estabelecidas ilegalmente por Israel. A esta altura, o veto já não é revelador em sua recorrência cega, mas persiste estarrecedor diante da possibilidade concreta de que a intensificação do genocídio – que não é guerra, em função da avassaladora assimetria de forças – possa levar a uma escalada ainda mais catastrófica, arrastando o mundo para uma guerra que pode envolver países africanos, todo o oriente médio e as potências mundiais.

As palavras finais lidas pela embaixadora estadunidense Linda Thomas-Greenfield, de um discurso elaborado previamente, foram:

Dito isto, pretendemos fazê-lo da forma correta, para que possamos criar as condições adequadas para um futuro mais seguro e pacífico. E continuaremos a empenhar-nos ativamente no árduo trabalho de diplomacia direta no terreno até chegarmos a uma solução final.

Após um breve discurso, escrito por um grupo de diplomatas, com o efeito prático de vetar o cessar-fogo imediato e autorizar a continuação de um genocídio, uma limpeza étnica que já conta com 30 mil mortos, entre os quais 10 mil mulheres e crianças, a embaixadora dos EUA termina dizendo que o seu país está se empenhando ativamente no trabalho de encontrar uma ‘solução final’? Essa é a expressão mais conhecida da gramática do ódio nazista e que sintetiza o horror levado à cabo pela ascensão do partido nazista, descrito de forma primorosa pela filósofa Hanah Arendt.

No Brasil não houve repercussão até agora. Netanyahu e a diplomacia israelense também permanecem em silêncio.

Enquanto diplomatas continuam sendo os primeiros a perderem a credibilidade e a real função em regimes que desejam a guerra, centenas de milhares de feridos e quase 2 milhões de pessoas estão privadas de remédios, água, comida, hospitais, casas e energia elétrica. Condições que um experiente médico militar francês, que atuou em diversas guerras e retornou após três semanas em Gaza, descreveu ao jornal Le Figaro:

Normalmente, os civis podem fugir dos combates. Lá é impossível. A população não tem onde se proteger. Centenas de milhares de pessoas vagam pelas ruas em busca de água e comida. (…) Nunca vi nada comparado à Gaza. (…) Acho que (a situação) pode ser semelhante à do Gueto de Varsóvia.

O jornal completou, explicando que o Gueto de Varsóvia foi onde 380 mil judeus foram amontoados pelos nazistas desde 1940, em condições de vida desumanas.


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