A importância de sonhar

A importância de sonhar é uma constatação na qual podemos chegar, por exemplo, através do lirismo, de uma leitura poética dos acontecimentos. Admitindo o sonho enquanto a manifestação da completude de um ideal – como aquele de uma vida melhor, um país e um mundo melhores – ele seria a força que guia e traciona nossas ações em uma realidade imperfeita e sofrida. Algo que tem muito valor, sobretudo, em momentos tão imperfeitos e sofridos.

Todavia, este artigo pretende mostrar como o sonho tem uma implicação prática e objetiva em nossas vidas, para além da inspiração que mobiliza.

 

O que é o sonho?

Os sonhos costumam ser a porta de entrada aos interessados na psicanálise, a partir de suas análises pessoais ou seus estudos iniciais.

O fascínio despertado pela vida onírica, certamente, é motivado pelas tantas reflexões e representações estéticas que ela incitou desde a Antiguidade em tratados, pinturas, livros, filmes e, recentemente, séries. Fundamentalmente, esse interesse ocorre por uma outra razão: este enigma coloca-se para todos.

De sterrennacht (A noite estrelada), de Vincent Van Gogh. Óleo sobre tela, 74x92cm, França, 1889. Atualmente no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, EUA.

Todos sonhamos, ainda que com frequências distintas. Muitas vezes não lembramos. Por vezes, o realismo nos impressiona, outras tantas a coisa fica tão doida que pensamos que seria impossível tentar ordenar e dar sentido àquilo tudo.

O sonho é a expressão de algo, mas também um lugar, um espaço virtual onde ocorre uma vivência alternativa do nosso sistema sensorial. Nele, vivenciamos um tempo paralelo, distinto daquele do sono. Longos enredos podem ocorrer em poucos segundos de sono e um breve evento no cenário onírico pode se estender longamente no relógio do quarto.

Neste lugar e neste tempo sentimos texturas, frio, calor, ouvimos e vemos pessoas, animais, paisagens e coisas que não existem na realidade.

O seu cachorro pode ter a cara de um parente distante, o rabo de uma tartaruga, o topete do Elvis Presley e conversar com você. O céu pode ser amarelo e você pode voar enquanto toca uma flauta feita de água. Poder. No sonho podemos.

Lá, também, por vezes, o sentido aparente pode ser evidente e a coerência do sonho pode ser afetada somente por pequenos detalhes que o distinguem da realidade. Por exemplo, podemos reviver cenas e episódios da nossa história, onde dizemos aquilo que outrora calamos e fazemos o que não fizemos quando a oportunidade surgiu.

Por isso, para além de se valer dos nossos mecanismos sensoriais, o sonho evoca sentimentos, criados, recriados e simulados, em experiências corporais e mentais que, naquele instante concreto, se originam somente dos estímulos que emanam do mundo interior do psiquismo. Como escreveu o poeta Mário Quintana, sonhar é acordar para dentro.

Mas não somente. Durante o sono, ainda que com as portas perceptivas majoritariamente fechadas, nosso sábio e adaptado aparelho psíquico continua atento às ocorrências do mundo exterior que poderiam nos colocar em um risco real. Assim, mesmo durante um sonho podemos acordar “para fora” quando há um barulho alto, um cheiro muito forte ou um toque muito intenso em nosso corpo.

 

O que muda com a psicanálise?

Freud, muito antes de criar a psicanálise, sempre foi intrigado com os sonhos. Ernest Jones, seu amigo e biógrafo, afirmou que tal interesse remontava, provavelmente, à sua infância. Sabe-se por diversas fontes que, muito antes de iniciar seus estudos sobre a histeria, ele possuía um caderno particular de anotações de sonhos e alguns relatos da sua vivência onírica eram compartilhados com a sua noiva, até então, Martha Bernays.

À parte o seu interesse específico, ele sabia que este era um tema popular que ajudaria a difundir os seus achados quando decidiu percorrer, nas suas palavras, a estrada real que leva ao Inconsciente.

Assunto recorrente no universo popular desde a Grécia antiga, por muitos séculos os sonhos foram compreendidos como manifestações passíveis de serem tabeladas. Por exemplo, sonhar com pássaro significaria um anseio de liberdade para todos aqueles que sonham com pássaros. Ainda, eram percebidos como uma comunicação com o sagrado, ou mesmo, como um transporte do sonhador ao mundo dos deuses.

Provavelmente, nos dias de hoje, a maioria das pessoas os compreenda em uma chave interpretativa que envolve o acesso ao desconhecido a partir de um poder superior, o contato com o mundo dos mortos ou um deslocamento temporal que permite, por exemplo, prever certos acontecimentos. São famosos alguns sonhos aparentemente premonitórios e casos de reencontros daquele que sonha com pessoas queridas que já morreram.

Evidentemente, toda leitura lastreada pela fé deve ser respeitada e de forma alguma a leitura psicanalítica opõe-se a estas interpretações. Antes, ela apresenta-se como um complemento importante na tentativa de desvendar certos enredos pessoais que reavivam o passado e alteram, de fato, o presente e o futuro.

Tais interpretações reafirmam a importância do sonho na vida social e remontam ao Oráculo de Delfos, que por seis séculos foi o centro religioso, sob a tutela do deus Apolo, onde as chamadas pítias previam o futuro e orientavam as ações de cidadãos e líderes gregos.

Atualmente, poucos políticos legariam o destino das suas carreiras – imagine de suas vidas – a uma sacerdotisa em uma espécie de transe. Todavia, quase todos eles ainda sentem a importância da intuição no jogo pelo poder. A intuição, que escapa à razão e à consciência, emerge do mesmo lugar que os sonhos: o Inconsciente.

Sob uma leitura psicanalítica, o transe no qual se encontrava a pítia, enquanto ouvia perguntas e profetizava, era um estado alterado da consciência daquela mulher. Este outro estado da consciência, o transe, não seria outra coisa senão o seu próprio universo onírico.

Ao avançar em seus estudos preliminares sobre a histeria com seu colega Josef Breuer, Freud partiu do famoso caso de Anna O. para a epopeia que iria circunscrever e definir aquilo que a paciente de Breuer chamou de sua condition seconde ou o seu segundo estado de consciência.

A ideia deste outro estado da consciência, anos depois, levaria à conceituação do Inconsciente freudiano, que ocorreu no processo de elaboração e escrita do livro A interpretação dos sonhos.

Ali, os sonhos deixariam de possuir um sentido orientado de fora, por parâmetros socioculturais, e passariam a ter uma lógica interna, circunscrita às dinâmicas que ocorrem no interior do aparelho psíquico.

 

Do que são feitos os sonhos?

Em alemão, Sonho é traduzido por Traum, palavra que guarda semelhança evidente com o termo grego traûma (ferida, avaria, derrota, desastre). Termo de onde originou-se trauma.

O que Freud logo percebeu em seus estudos foi que os sonhos seriam a estrada real para este outro estado da consciência, onírico por excelência, território dos traumas vivenciados, dos conteúdos  reprimidos, do Inconsciente.

Os sonhos são feitos de representações, imagens, traços acústicos, cores e traços de memória do corpo, conhecidos como sensações. Devido ao afrouxamento da consciência, durante o sono todo este material, acumulado ao longo da vida, torna-se novamente disponível ao nosso sistema sensorial.

No interior do psiquismo estas representações muitas vezes se deslocam do seu sentido original, aquele vivido, e os representantes delas se condensam em novas formas, criando novas imagens, sons, sensações. Ou seja, os elementos mínimos das nossas vivências reais, o nosso alfabeto particular, criam novas representações e estabelecem a comunicação em uma outra língua.

Esta recriação é, por si só, a satisfação de um ou mais desejos inconscientes que chegam mais próximos da superfície psíquica porque a consciência não precisa trabalhar intensamente no sono como na vigília, uma vez que o contato com o mundo exterior está praticamente suspenso.

Em A interpretação dos sonhos, tão conhecida quanto a ideia geral de que o sonho é a manifestação e a realização de um desejo é a epígrafe escolhida para abrir a obra: Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo. Este verso contido em Eneida, do poeta romano Virgílio, diz: “Se não posso dobrar aos poderes celestiais, agitarei o Inferno”.

Se não podemos controlar, mudar a direção daquilo que vem de cima, dos outros ou de fora, agitamos aquilo que está abaixo, aqui dentro, na certeza imediata do que podemos sentir, ver, ouvir e tocar.

Assim são os sonhos, um agito infernal no cerne do psiquismo que ocorre quando o aparelho psíquico abdica daquilo que está lá fora, dos poderes celestiais, dos eventos e pessoas reais que tentamos controlar em vão.

 

Por que sonhar é importante?

O primeiro desejo satisfeito pelo sonho é o desejo de dormir.

Por isso é conhecida a afirmação de que o sonho é o guardião do sono. Este primeiro desejo que emerge na consciência manifesta-se em nosso corpo e nos leva à preparação e ao relaxamento necessário ao aparelho psíquico. Ele é quem nos coloca em posição para que outros desejos venham e se realizem na atividade onírica e é fundamental, porque oferece o espaço necessário à vazão do material inconsciente que tentou vir à tona o tempo todo durante o dia.

Todos já sentimos a verdadeira importância do desejo de dormir ao menos uma vez na vida, quando tomamos a errônea decisão de tentar ignorá-lo. A necessária descarga das nossas pulsões e a satisfação dos nossos desejos podem ser contidas pelo pré-consciente e o consciente até um determinado limite. Por isso, quando há uma severa privação do sono é bastante comum que ocorra a alucinação. Quando o Inconsciente toma à força um território do pré-consciente e do consciente e chega ao sistema perceptivo, ainda que o desejo de dormir não tenha sido satisfeito.

Um quadro de alucinação devido à privação do sono é o limite que demonstra a importância de sonhar, uma vez que a alucinação é uma atividade onírica. Quando ela ocorre enquanto estamos acordados, manifesta-se como um sonho que nos coloca em um perigo real. Isto porque não cedemos ao desejo principal de dormir e, consequentemente, não fechamos devidamente as portas do nosso aparelho psíquico para o mundo exterior, algo que nos permite satisfazer nossos desejos sem correr riscos.

O sonho é uma conversa franca do sonhador consigo mesmo, manifestando e satisfazendo os próprios desejos incontroláveis, naquele instante, pela sua consciência. Desejos que, na imensa maioria do tempo, quando estamos acordados, tentamos controlar com muito esforço.

É deste mesmo mundo subterrâneo, inconsciente e pulsional, que emerge a nossa vivência neurótica na vigília cotidiana, nossos sintomas e o nosso sofrimento.

Sonhar é vital, porque nos liberta. O seu sonho é você sem amarras.

Ao sonhador, o fato de entrar em contato com estas vivências, ainda que simuladas e embaralhadas, permite uma distensão do aparelho psíquico (corpo e psiquismo) que relaxa, redimensiona e realoca certos afetos.

Muito depois de Freud, as neurociências comprovaram, por exemplo, a importância do sono, sobretudo na fase REM (Rapid Eye Movement), quando  ocorrem os sonhos. Nesta fase os olhos se movimentam intensamente e a atividade mental assemelha-se àquela da vigília. Somados os ciclos que se intercalam ao longo de uma boa noite de sono, a fase REM pode durar, ao todo, de 1h30m a 2h. É nesta fase que, com o trabalho do sonho, ocorre a absorção das experiências e dos conhecimentos adquiridos naquele dia que se encerrou.

Ou seja, uma boa noite de sono e de sonho envolve, também, uma forma de depuração daquelas vivências, quando os restos diurnos são incorporados a todo o material inconsciente que já possuímos. Quando o sono e o sonho atingem o seu objetivo, é porque se consolidou a memória afetiva e o registro dos eventos e aprendizados no nosso mundo interior. Estas são as manhãs em que acordamos bem, renovados, dispostos e, sobretudo, mais preparados para enfrentar o mundo exterior.

Esta depuração afetiva e o registro da experiência vivida são a adaptação imediata, diária, do aparelho psíquico na relação com o mundo exterior.

Por isso, em uma análise, os sonhos são um farto e rico material, porque, por mais que envolvam representantes e representações do passado e incorporem restos diurnos muitas vezes insignificantes, eles sempre expressam o desejo presente.

São muitas as pesquisas em curso sobre os sonhos. Não podemos deixar de destacar os estudos do neurocientista Sidarta Ribeiro, que tem se dedicado a uma necessária revalorização do papel dos sonhos em nossas vidas cotidianas.

No contexto em que vivemos, onde a pandemia da Covid-19 apresenta-se como um trauma coletivo global, temos o importante projeto “A Oniropolítica em Tempos de Pandemia”, promovido por pesquisadores da UFRGS, UFMG e USP.

Existem muitas outras iniciativas no Brasil e no exterior, contudo, ainda conversamos muito pouco a respeito dos nossos sonhos no dia a dia. Talvez, porque subestimamos a sua relevância, apesar de ser um tema que atrai muitas pessoas.

Procure saber mais sobre os estudos a respeito, mas, principalmente, sobre os seus próprios sonhos. Ao abrir os olhos pela manhã evite pegar o celular em um movimento automatizado. Dê tempo ao seu corpo, para que ele desperte aos poucos e ainda deitado. Este é um ótimo momento para tentar relembrar o sonho, pensar a respeito e, eventualmente, anotá-lo.

A tendência é que ao longo do dia esqueçamos detalhes preciosos e, por fim, todo o sonho. Isto é como desperdiçar algo mais valioso do que o ouro, porque os seus desejos e a sua história não têm preço e somente eles permitem realizar o seu presente e o seu futuro de maneira satisfatória.

Você sabe quanto possui no banco, mas se lembra daquilo que sonhou na noite passada?

Filme “O Farol” | O Isolamento e o que jogamos no ‘oceano’ que volta para nos aterrorizar

Por Caio Garrido *

 

Em algum momento, nos sentimos abandonados à própria sorte.

Este sentimento é premente durante o isolamento quase “consentido” neste pacto social durante a pandemia. Presume-se que as pessoas estão conectadas via internet, mas como já li em algum lugar – nesta torrente deste mar de informações vindo de nossas redes sociais onde alguns peixes são fisgados enquanto outros fogem como sereias indestrutíveis e perigosas, pois as esquecemos – as pessoas consentem em solidarizarem-se umas com as outras muito por um individualismo compartilhado do que por uma razão somente ética.

Como disse o psicanalista Edson Luiz André de Sousa, “se por um lado vemos algumas atitudes colaborativas, por outro nos assustamos com uma espécie de guerra sanitária que surge, com aviões sendo retidos em alguns países com máscaras e equipamentos hospitalares, enfim, um verdadeiro horror”.

E ainda, corroborando a afirmação que faço mais acima, Heiner Mühlmann, de acordo com o seu modelo científico-cultural da “cooperação sob stress maximal”, diz que “a emergência de uma concertação coletiva em face de uma ameaça – real ou virtual – que afeta o todo da sociedade, não significa que o bem comum se sobrepõe aos interesses privados, mas constitui tão só o exemplo de um tipo específico de ‘cooperação egoísta’, no qual a cooperação possui mais vantagens individuais do que o puro e simples interesse de cada indivíduo por si só” (fonte: Luís Carneiro, em A dissidência no império biopolítico do fim).

Pois então, enterrados em nossos sofás, observamos como faroleiros atônitos o desenrolar dos fatos, e a ausência de conhecimento que nos permeia referente ao vírus e o futuro próximo indefinível, assistindo passivamente e estupefactos a insólita ausência de direção do leme do país.

E é em busca de uma nova velha ética que proponho o texto aqui: readquirir/adquirir alguma noção ética capaz de melhorar a já nossa tão miserável relação com a natureza – com a nossa natureza e essa “fora” de nós.

Existem mil maneiras de se narrar o que vivemos. O ponto de vista no qual encaro a situação faz-me descer ao Hades para tentar de lá extrair algumas consequências. Apesar de que tal vislumbre terrificante da realidade pode nos oprimir ainda mais, é justa a causa de transformar esses objetos que encontramos em seu fundo em sentidos possíveis para melhor vivenciar e imaginar um futuro possível, ainda que manquejante.

Vamos então ao que interessa: O filme lançado ao mar de nossas conjecturas através do título que embasa esse texto.

Nele é narrada a história dos personagens Thomas Wake e Ephraim Winslow (por Willem Dafoe e Robert Pattinson, respectivamente) – aliás, com umas das mais belíssimas atuações já vistas no cinema. Thomas Wake, o chefe, é o responsável pelo farol daquela ilha isolada, que ao contratar o jovem Ephraim Winslow para substituir o ajudante anterior, faz desenrolar entre eles, situações e falas sobre todo tipo de insólitas histórias de monstros, maldições, sereias, e superstições que causam terror, além de conflitos e embates constantes entre os dois.

O filme constrói uma fábula sobre isolamento e loucura, na consentida clausura a céu aberto e na edificação fálica do farol.

Desde seu início, um limiar nos é apresentado através de imagens. Não tão claro, onde o contraste do preto com o branco faz o cinza ganhar uma exuberância como só os grandes cineastas e fotógrafos conseguem. A simetria que as imagens do filme sugerem são também constantes: a chegada dos dois no território do farol, enquanto aparentemente outros dois colaboradores vão embora do obscuro lugar; o quarto dos dois, onde as camas são dispostas de forma simétrica no enquadramento; a mesa onde comem; sempre salientando também a não simetria dos dois, onde um tem a posse das chaves – o chefe – e só ele tem acesso ao farol, e o outro sofrendo a condição de explorado, além das vicissitudes normais de um trabalho subalterno comum. Lembro-me de Kafka e suas narrativas onde um personagem sempre sofre acusações absurdas e sem sentido. Eu poderia elencar outras situações onde essa simetria de imagens e de ações dos dois personagens são apresentadas, mas seria me estender demais nesse ponto. Mas enfatizo essa questão, pois tal tema parece fazer parte do argumento principal em torno dos significados profundos que o diretor quer disparar em seus espectadores.

As engrenagens do farol, com seus mecanismos de relógio duramente alimentados por homens, é a máquina de moer do mundo. Os faroleiros, guardas do farol, guardiões da luz – ou melhor: lightkeepers – ali mostrados, são almas suplicantes por sentido num mundo esvaziado.

A atmosfera de desconfiança é levada às últimas consequências durante toda a duração da película, com essa estranha relação entre esses mantenedores da luz e o farol nos fazendo pensar em que tipo de pessoa que se isola num farol destes a brindar os marinheiros com um pouco de sentido no mar aberto; O flerte com o desconhecido? Com a morte? Uma forma de suicídio – ‘desconhecídio’? Exorcizar os demônios na noite, enquanto o “demônio do meio-dia” insiste em nos atacar?

O mar tem sim seus segredos, seus enigmas. O que ele esconde é o que escondemos de nós mesmos. Para onde jogamos nossos terrores arcaicos? Nosso mal? Por ora, jogarmos certas coisas pra debaixo do tapete, não funciona mais; No isolamento, tudo isso vem à tona. O que normalmente escondemos, aquilo que geralmente dá pra seguir fingindo vida afora, fica exposto, o que pode tornar a vida insuportável, enlouquecedora e paralisante (inclusive a intensidade de nossos instintos pode nos paralisar). Ou seja: não dá pra seguirmos vivendo e fingindo da mesma maneira que fazíamos antes da quarentena. Vamos percebendo através desse confinamento que nosso trabalho já não faz sentido, ou que nossas máscaras sociais não funcionam mais para disfarçar um desconhecimento sobre quem realmente somos e nossas verdadeiras qualidades, a desigualdade econômica e social se torna gritante (como no filme, em alguns momentos, a saída parece ser só a do grito), a defenestração de nossas florestas amazônicas acordam-nos no meio da noite clara, além de tantas outras coisas que têm acontecido com tantos de nós.

Para quem sabe escutar ou tapar os ouvidos e se amarrar ao mastro – como fez Ulisses na Odisseia épica de Homero – diante dos perigos da sereia – como o filme também sugere – sabe a dimensão de onde nos metemos na forma como lidamos com a natureza, que fez desaguar a pandemia que vivemos hoje. Quem limpará nossa sujeira? Pandemia e pandemônio se dão as mãos nessa ‘folie à deux’. Pois os dois personagens do filme vivem isto: loucura a dois. Em algum momento duvidamos de nossa apreensão da realidade do que é passado no filme: Será que o chefe é uma imaginação ou projeção de Winslow? O medo de enlouquecer está ali. O medo de enlouquecermos diante do desconhecido que a pandemia, o vírus e o isolamento e suas consequências nos trazem, está aqui agora.

Mas é fato que para pensarmos e não sermos tragados pelo mar (do inconsciente, da loucura ou da morte) temos que questionar e lidar com o monstro da autoridade do medo.

Que matéria precária nos prende? E faz temer e tremer? Somos reféns, como os personagens, de espaços abertos que não podemos atravessar. Por que Winslow não se rebela diante de um chefe intransigente e insano, que exige tarefas despropositadas e absurdas? Não é a história de todos nós, de alguma forma, diante de um governo e um país absurdo?

Pior que o medo do desconhecido do vírus, é o medo advindo da repressão que se transforma em opressão, onde os indivíduos e a coletividade desse país em suas diferentes instâncias e instituições (mídias, jurídicas, associações, escolas, etc.) não se rebelam contra um governo fundamentalista e mortífero. Que espécie de pavor é esse??

Temos que roubar as chaves do chefe. Pandemonium.

Pandemonium é uma palavra de origem literária, cunhada pelo poeta inglês John Milton em seu clássico “Paraíso Perdido”, de 1667, “para nomear o centro administrativo do Inferno – não um inferno figurado qualquer, mas o próprio Inferno”. “Formado com elementos importados da Grécia (pan + daimon), mas filtrado pelo latim, Pandemonium era o nome do palácio onde se reuniam todos os demônios sob a liderança de Satã” (fonte: Sérgio Rodrigues, em O Pan e o pandemônio) .

Segundo o escritor Sérgio Rodrigues, “trata-se de uma palavra que, na linguagem corrente, virou um expressivo sinônimo de ‘bagunça, desordem, caos’, mas que numa acepção mais próxima da origem também pode ser empregada com o sentido de ‘associação de pessoas para praticar o mal…’”. Qualquer semelhança com a realidade brasileira é só mera coincidência!

Alguma coisa anima e mantém esse poder do chefe, apesar da evidente ilegitimidade em que ele se coloca. Vivemos em uma sociedade sádica. O masoquista mantém e provoca o sádico. Um não existe sem o outro. Assim como por exemplo em tragédias gregas como a de Édipo Rei (Tirano) de Sófocles, onde essa relação sadomasoquista do povo com os donos do poder é mostrada como uma constante, o Brasil atual renova as dimensões desse fenômeno.

Qual é a parte horrível da vida de um marinheiro, rapaz? É quando o trabalho acaba quando você está entre o vento e a água. Marasmo. Marasmo. Mais cruel que o Diabo. O tédio transforma homens em vilões”. Esse diálogo-monólogo, levado a cabo por Thomas Wake no filme, enquanto toma as bebidas que nos deixam estúpidos, exprime a necessidade humana maníaca (no sentido psiquiátrico do termo – de defesa contra a depressão – ou contra a loucura) pra lidar com a melancolia. Nossas histórias de terror, nossos entretenimentos modernos, nossos filmes e minisséries também são nossas defesas contra a realidade insuportável.

No filme, o antigo guardião da torre fálica do farol morreu. Ficou louco, falando sozinho sobre sereias, seres do mar, maldições e outras coisas. Viu a verdade e não suportou. Alucinou, criou realidades paralelas; Acreditava pois, que havia encanto no farol (farol como uma espécie de sereia fatal). Herdeiros do romantismo, buscam sua salvação.

É má sorte matar uma ave marinha” nos diz o personagem também. Sim. É a nós que ele se dirige! Verdade irrefutável! “Nelas estão as almas dos marinheiros” – e de todos nós.

Lá perto do final do filme, e de nosso fim também, as simetrias são novamente apresentadas, e as assimetrias mais e mais aparecendo num perde e ganha delirante. Matar a gaivota e a natureza é um modo de externar e projetar nosso instinto destrutivo, que na verdade é dirigido contra nós mesmos originalmente (inconscientemente). Em grande parte dos mitos, os deuses castigam os humanos por tentarem em vão alcançá-los. Acho em parte que isso se deve ao fato de não estarmos preparados para tal navegar ainda. É preciso, antes de atingir o divino em nós, nos humanizar, ou então virar bicho. Não há atalhos.

É claustro. Calmaria antes da tempestade. Um vento que estava nos alma-ldiçoando. Não sabemos nada sobre o mar. Não dá para se regozijar na luz com tanta sujeira à mostra. A luz que salva, cega, mata, enlouquece, vira câncer, vira comida de abutre, de vírus.

O isolamento, aqui, como no filme, faz-nos perder a noção de espaço e tempo. Estamos em terra, mas perdidos como eles. A única saída é destruída pelo chefe, e por nós mesmos. “O segredo está lá em cima“! Estar no terreno “seguro” do farol não os tira do lugar de estarem perdidos. Nem os faz seguir viagem seguros e contentes, como os bons marinheiros. “Onde estamos?” Estamos a nos afogar? Homens que viram novamente animais ou nunca deixaram de ser. Este lugar é um chiqueiro. A água invade.

 

“Deixe Netuno acertar você, Winslow.

Escute, Tritão, escute!

Abaixo, ofereça ao nosso pai, o rei do mar,

o subir das profundezas, em sua completa fúria,

ondas negras cheias com espuma e sal,

para sufocar essa boca jovem com lama pungente,

para te sufocar, engordar seus órgãos até você se tornar azul e inchado

com porão e salmoura e não puder mais gritar.

Apenas quando ele, coroado em conchas de berbigão

com a cauda tentadora deslizando e a barba fumegante,

pegar sua queda, braço com barbatana,

seu tridente de coral como banshee na tempestade

e mergulhar através do seu esôfago, estourando você,

não mais uma bexiga abaulada, mas um maldito filme sangrento agora,

e um nada para as Harpias e as almas dos marinheiros mortos

para bicar e arranhar e se alimentar,

apenas para ser rasgado e engolido pelas águas infinitas do temido imperador,

esquecido por todos, em todo lugar, esquecido por qualquer Deus ou diabo,

esquecido até pelo mar, por qualquer coisa

ou parte do Winslow até cada pedacinho de sua alma não ser mais Winslow

mas o próprio mar.”

 

Links e textos/críticas sobre o filme:

https://carmattos.com/2020/01/03/homens-em-busca-da-luz/

https://canaltech.com.br/cinema/critica-o-farol-158536/

http://www.adorocinema.com/filmes/filme-262493/criticas-adorocinema/

 

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* Caio Garrido é psicanalista e escritor. Diretor e criador da Ubuntu Psicanálise, mestrando pelo Programa interdisciplinar em Ciências da Saúde pela Unifesp Baixada Santista. Tem 4 livros publicados (2 romances e 2 de poemas).

Artigo publicado originalmente no perfil do autor.

 

 

O Café com Pepino não endossa, necessariamente, todas as ideias e/ou práticas expressas no presente artigo.

Educação é cultura

Por Samuel Joaquim *

 

Ao longo dos anos, há uma frase recorrente nos cafés, padarias, bares e restaurantes, redes sociais – até nas próprias escolas: “o que falta no Brasil é educação”. Qualquer um de nós, em algum momento, já ouviu isso. Em geral, as pessoas estão se referindo à educação formal: ensino fundamental, médio e superior. Pois bem: falta? Falta. Mas é só esse o problema? É só isso que falta? Se olharmos para as classes mais abastadas do país, com boa formação e nos melhores empregos e cargos públicos, veremos lá a imagem de um país pronto para evoluir se “abrir a porteira” da educação de qualidade para todos? Ou veremos o retrato de um grupo que não enxerga na cultura e nas artes a mesma importância que conhecer matemática ou economia para promover uma sociedade evoluída com paz e igualdade?

Fazendo essa observação, possivelmente você verá uma elite que se enxerga como uma verdadeira casta superior, que não dá igual valor à vida de todos e faz questão de não perder seus privilégios, mesmo que isso signifique em última instância uma sociedade mais violenta. Mesmo que signifique não poder andar a pé tranquilamente pelos centros decadentes das cidades. E é importante salientar aqui: essa elite em geral teve toda educação formal a que se pode ter acesso. Então, só podemos concluir que falta algo a mais. A falta de empatia e do senso de coletividade não são supridas simplesmente numa disciplina de geografia em que se fala sobre estatísticas de pobreza e índices de desemprego.

Não que a “letra fria” da educação seja desimportante: um país não consegue se desenvolver sem o ensino tradicional. Bons profissionais de engenharia são fundamentais para alavancar a indústria. A saúde para todos não é possível sem médicos preparados. O Estado precisa de bons administradores e economistas. Quase nenhum cidadão consegue bons empregos sem uma formação técnica ou acadêmica, ficando a eles reservados os empregos de baixa especialização e, consequentemente, baixa remuneração. Além disso, obviamente não há como corrigir os erros do passado sem o conhecimento de história.

Mas a educação não termina ao fim da última aula do dia, do período letivo ou mesmo do curso de graduação. O conhecimento formal é parte integrante de algo maior, a cultura, e um grande erro que se comete é não enxergar educação e cultura como uma só coisa. Afinal, a cultura pode ser definida como a soma não só do conhecimento, mas também dos valores, sentimentos, artes, leis, costumes e hábitos das pessoas. O ser humano está constantemente aprendendo, somando e relacionando esses diferentes aspectos para viver sua vida. Assim, principalmente nessa época de quarentena e isolamento, precisamos nos apegar à cultura de forma mais ampla, não só como um passatempo, mas também como uma forma genuína de evolução, desenvolvimento da empatia e libertação. Para “aguentarmos o tranco” desses tempos difíceis – e, quem sabe, nos tornarmos uma sociedade mais igualitária.

 

A cultura e a arte como geradores de empatia

Gostaria de começar com um exemplo aparentemente banal, uma experiência própria: quando li o livro “Corações Sujos” de Fernando Morais, que fala sobre uma seita criada no Brasil pela comunidade japonesa após a Segunda Guerra que não admitia a derrota do Japão, descobri que a sede desse agrupamento ficava a poucas quadras de onde moro em São Paulo. Muitos consideram essa uma informação inútil isoladamente. Mas eu soube que, a menos de um quilômetro de casa, estava a sede de um agrupamento que assassinou dissidentes (alguns inclusive no próprio bairro). Soube que o horror, poucas décadas atrás, foi meu vizinho – mortes sem sentido ocorreram logo ali, atravessando algumas ruas, por pura ignorância. E com isso, me senti imbuído de um sentimento bem contundente: a ignorância precisa ser dizimada para que a relativa paz que hoje há no meu bairro possa ser conservada e ampliada. E, extrapolando, também a paz no Mundo.

Alguém poderia dizer que o livro é fruto de uma excelente pesquisa histórica feita pelo autor e que, portanto, poderia ser considerado até um instrumento de educação formal e utilizado tranquilamente em sala de aula como material de apoio ao ensino de história. Porém, a conclusão a que eu cheguei vem com uma carga de experiência pessoal única somada ao aspecto histórico, que me causou um impacto bastante diferente e próprio. Isso se deve à minha empatia, a minha capacidade de me colocar dentro dessa história para além da narração factual, já que eu constantemente passo pelo local citado no livro e que nunca me remeteria a um lugar onde se planejavam assassinatos, não fosse meu conhecimento adquirido. Uma coisa se casa à outra para melhorar minha percepção nessa micro-história.

Talvez um outro exemplo que permita enxergar melhor a função da cultura é citar uma obra de arte, digamos, não-factual. Um dos meus filmes favoritos é o filme “Laranja Mecânica”, dirigido pelo aclamado cineasta Stanley Kubrick. É um filme totalmente ficcional. Eu sei que nada do que se passa ali aconteceu realmente. Eu sei que as drogas da “ultraviolência” não existem (ao menos, não com aqueles nomes), que não existe Alex DeLarge, e que nunca existiu um medicamento capaz de inibir a maldade em um chefe de gangue e assassino cruel a ponto de ele se sentir enjoado sempre que pensar em cometer alguma atrocidade.

Porém, as cenas são retratadas de forma assustadoramente realística: eu sei que há o uso de drogas que podem exacerbar o comportamento violento na vida real. Eu sei que há a banalização da violência no dia-a-dia e que ela faz milhões de vítimas todo ano no mundo. E sei que há o sistema prisional atual como tentativa de educar os criminosos a rever suas ações que os levaram até ali. Além disso, a trajetória do personagem principal ao longo da história me permitiu tirar uma conclusão que provavelmente nenhum livro de história faria com tanto impacto: mesmo que houvesse uma “cura científica da maldade”, um sistema prisional comprovadamente capaz de “corrigir” a vida de crimes de alguém, uma sociedade com cultura punitivista não seria capaz de aceitar de volta esse paciente curado.

O intrigante do filme é justamente a sua capacidade de nos causar empatia para com o personagem principal. No começo, acompanhamos a sua vida como um cruel líder de gangue para, depois, sentir o seu sofrimento pós-tratamento quando todos os seus desafetos do passado passam a discriminá-lo, muitos deles com sede de vingança. E, de certa forma, sofremos com ele, a ponto de o realmente reconhecermos como um ser humano (tal como nós), e não um monstro. Porém, ao nos enxergarmos de volta como os “cidadãos de bem” da sociedade fictícia do filme (spoiler: não existe o conceito de cidadão de bem numa democracia!), isso nos faz refletir: “ei, eu realmente me enxergo nessa sociedade! Estamos no caminho certo? Violência para combater violência funciona como comportamento e política de Estado?”. Esse questionamento, mesmo trazido por uma obra completamente ficcional, nos trás um novo tipo de conhecimento, com especial impacto na nossa inteligência emocional. E, nesse momento, a arte se torna uma forma legítima de complemento à educação.

Também, como músico, eu não poderia deixar de falar sobre a igual importância de outras artes como (oh!) a música. Uma canção (ou seja, uma música cantada) pode ter igual efeito a uma poesia ou a um romance: entendemos os versos que estão sendo cantados, interpretamos o significado e podemos identificar ali a nós mesmos, nos questionar, pensar na mudança que queremos a partir de sentimentos que aquelas palavras nos causam.

Mas e as artes mais abstratas, a música instrumental ou pinturas, sem aparente semântica, sem uma história contada com palavras ou imagens que podemos reconhecer de forma lógica? São elas artes menos importantes? Não. O princípio é semelhante. É possível aprender com as artes abstratas.

Por exemplo: cores fortes na pintura causam um impacto e tons pastéis dão sensação de conforto. Na música, sons harmônicos e em volume normal nos causam uma sensação de paz. Sons altos e inarmônicos, um sentimento de inquietude e aflição. Acordes maiores soam alegres, acordes menores soam tristes. Uma justaposição ordenada de sons, timbres e harmonias diferentes podem fazer você se sentir alegre e com vontade de dançar ao som de Hamilton de Holanda tocando um choro do Pixinguinha ou você exercitar um pouco a sua melancolia (que é tão importante quanto exercitar a alegria) com a Sonata ao Luar de Beethoven.

Assim, a arte (incluindo a abstrata) consegue ajudar a aflorar seus sentidos e sentimentos, de uma forma muito particular. E lidar com esses sentimentos, extravasá-los, é uma forma de se conhecer melhor e de saber o que você é capaz de sentir e se preparar melhor para quando esses mesmos sentimentos pegarem você de surpresa em outros tempos (note aqui a curiosa tangência das artes com a psicanálise). E a arte feita com esse intuito, do autoconhecimento, não doutrina: ela liberta. E é bom sentir pelo menos algum grau de liberdade em dias tão claustrofóbicos.

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* Samuel Joaquim é desenvolvedor de software e músico. Da primeira profissão tira seu sustento, da segunda, sua razão de ser. Pianista desde pequeno, teve o privilégio de estudar piano popular nos anos 2000 com o seu ídolo, Hercules Gomes, quando ele ainda era uma promessa da música na cabeça do aluno – antes de ser uma realidade para o Mundo como hoje. Integra o grupo paulistano Esquina Imaginária, que presta homenagem (de sua forma particular) ao cultuado movimento belorizontino Clube da Esquina.

 

O Café com Pepino não endossa, necessariamente, todas as ideias e/ou práticas expressas no presente artigo.

Tudo bem ficar (um pouco) ansioso na quarentena

O intuito deste artigo é o de esclarecer alguns aspectos da ansiedade em relação ao panorama atual. A introdução ao tema pode ajudar a desmistificá-lo e, consequentemente, a operar no sentido inverso da própria ansiedade.

O esperado aumento dos relatos de pessoas que se sentem ansiosas durante a pandemia vem se confirmando. Algumas delas, que não se percebiam assim, passaram a sentir uma leve ansiedade, enquanto outras sentiram a ansiedade aumentar.

Enquanto passarmos pelo duro e necessário isolamento social esta resposta psíquica ao que temos vivido será profundamente natural, desde que se dê em uma intensidade leve ou moderada. A grande questão envolve a avaliação pessoal sobre o que se sente: uma ansiedade leve, moderada ou severa. Muitas dúvidas podem surgir.

Por isso, conversar a respeito delas com profissionais da área de saúde mental torna-se ainda mais importante agora, uma vez que alguns sintomas podem incluir, eventualmente, fadiga e sensação de falta de ar. Em tempos de coronavírus, a mera possibilidade da confusão entre estes sintomas e aqueles da Covid-19, por si só, já é problemática.

O diagnóstico psiquiátrico da ansiedade segue diversos critérios que a classificam em alguns tipos de transtornos de ansiedade que muitas vezes são comórbidos entre si. Ou seja, uma pessoa com um deles, na maioria das vezes, terá, pelo menos, mais um.

Excetuados alguns destes tipos, para que a ansiedade seja considerada um quadro clínico patológico, geralmente – mas não sempre -, é necessário que os sintomas sejam persistentes por um período mínimo de meses. Estes sintomas só podem ser avaliados por um psiquiatra ou um psicoterapeuta (psicanalistas e psicólogos).

Da mesma forma que o colesterol não é ruim, mas o seu nível elevado no sangue é preocupante e necessita de uma intervenção médica, a ansiedade não é necessariamente ruim, mas o seu nível elevado deve ser acompanhado por um especialista.

Entretanto, mesmo quadros que não são severos podem e merecem ser atenuados com uma boa terapia. A ansiedade se manifesta em todos nós e, na imensa maioria das vezes, ela não assume um caráter patológico. Antes, ela é uma resposta natural do psiquismo frente às alterações percebidas no mundo exterior, no ambiente em que vivemos.

 

O que é a ansiedade?

Na psicanálise freudiana, a ansiedade recebe o nome de angústia. O termo original, Angst, comporta tanto a noção de ansiedade, quanto a de medo ou temor.

Em “As palavras de Freud”, o tradutor Paulo César de Souza aponta que a óbvia semelhança entre os termos Angst e angústia deve-se à sua origem comum no idioma indo-europeu, traçada a partir das derivações latina angustia (“aperto”) e indo-germânica angust (“estreiteza”, “aperto”).

Não é por coincidência que as descrições mais comuns da sensação de angústia contêm “um aperto no peito”. Há ainda o “frio no estômago” diante de algo iminente, como se o mesmo se contraísse ao perder calor.

Como suporte para conceituar a angústia, Freud também utilizou os termos Furcht (“medo”) e Schreck (“pavor”).

Esta breve explicação etimológica é necessária para que façamos uma distinção importante que nos ajuda a compreender a ansiedade, ou angústia, em relação aos objetos (para a psicanálise um objeto pode ser uma pessoa, ideia, pensamento, relação ou coisa material).

A angústia (Angst) é um sentimento causado pelo desprazer antecipado pelo psiquismo, que busca evitar o desprazer muito maior que seria gerado por um objeto.

Ela se origina no indivíduo devido à expectativa que ele cria a respeito da iminente presença de algo que despertaria um medo, justificável ou não. Esta é, propriamente na língua portuguesa, a concepção de angústia enquanto ansiedade.

Note a utilização do pronome indefinido “um” em “seria gerado por um objeto”. Esta indefinição remete ao objeto, real ou imaginado, porque muitas vezes ele não pode ser nomeado – ou, apontado conscientemente – pelo próprio indivíduo que sente a ameaça, a ansiedade. Como exemplos, assim ocorre no transtorno de Pânico e no transtorno de ansiedade generalizada.

Ilustração de Lucile W. Holling para o poema “Dandelion Bubbles”, em Around a toadstool table – A child´s book of verse, de Rowena B. Bennett, Chicago, 1930.

A expectativa gerada pela incerteza e pela indeterminação do objeto tensiona o aparelho psíquico (corpo e psiquismo) gerando um desprazer que o psiquismo entende ser um prenúncio daquele que será gerado pela presença, de fato, do objeto. Desse modo, posta a antecipação de um desprazer menor em relação ao que pode vir, o psiquismo tende a fugir daquela posição e buscar outra mais prazerosa.

O tensionamento do aparelho psíquico, percebido muitas vezes em regiões, músculos e nervos do corpo, tem por função mobilizar e preparar o indivíduo para empreender a fuga diante daquele objeto que pode – naquele instante não há dúvida de que irá – gerar ainda mais desprazer.

No senso comum, são conhecidas algumas fugas que surgem enquanto respostas à intensificação da ansiedade, logo, ao tensionamento. São aquelas associadas ao aumento do consumo de alimentos, especialmente doces, de bebidas alcoólicas e do tabagismo, por exemplo. Basicamente, porque são saídas imediatas e estão amplamente disponíveis na sociedade de consumo.

Repare que, em meio à pandemia em que estamos vivendo, têm sido recorrentes as notícias e artigos que abordam o aumento generalizado do consumo de álcool. Da mesma forma, os mais afortunados, com seus vastos estoques alimentícios, percebem o necessário cuidado extra para manterem o peso durante o isolamento social.

Na língua portuguesa, o medo (Angst ou Furcht) é a concepção de angústia que se refere ao sentimento que surge quando este objeto pode ser nomeado e definido pelo indivíduo. Portanto, quando ele está, ainda que indiretamente, presente na consciência. Como em uma determinada fobia. Por exemplo, o claustrofóbico sabe da sua aversão aos espaços fechados. Basta que ele visualize ou imagine uma situação em que ele se reconheça em contato direto com o objeto fóbico para que a angústia, ou ansiedade, tome conta.

Já o pavor (Schreck) não é uma concepção, ou sentido da angústia, mas a realização daquilo que ela apenas antecipa. Ele é a descarga abrupta do tensionamento que tomava o indivíduo. Ele surge quando a expectativa se realiza no contato direto com o objeto que causava a ansiedade e o medo.

Portanto, do ponto de vista freudiano, a ansiedade e o medo não são etapas sequenciais, mas traduções das manifestações da própria angústia, que é conhecida popularmente no Brasil, somente, como ansiedade.

 

O que muda com a pandemia?

Após esta breve apresentação, esperamos que tenha ficado evidente como uma situação de pandemia altera, basicamente, quase tudo o que diz respeito à ansiedade.

Ou seja, é natural que este momento de indefinição altere a intensidade, a modulação e o caráter dos nossos afetos em relação a quase todos os objetos, como: mãe, pai, namorada, cachorro, gato, amigos, emprego e os nossos próprios pensamentos.

É importante ressaltar que tais mudanças ocorrem no interior do psiquismo, porém, reverberaram pelo corpo. Além de nódulos e tensões musculares, a ansiedade pode levar a episódios de insônia, ou, através do consumo excessivo de café ou álcool, atrapalhar a recuperação ideal do corpo e do psiquismo durante o sono.

Ainda, sua tendência é a de aumentar a irritação e intensificar o cansaço. A fadiga pode fazer com que fiquemos o dia todo no sofá assistindo séries, procrastinando atividades necessárias, mas, ainda assim, sem alcançar a desejada sensação de relaxamento própria às atividades de lazer.

Por isso, as atividades físicas são ainda mais importantes durante este período. Preferencialmente, em casa, mas, se não for possível, pequenas caminhadas diárias certamente atenuarão a ansiedade. Antes, informe-se sobre as devidas recomendações, como a de ficar, no mínimo, a 4 metros de distância da pessoa que caminha na sua frente.

Algumas vezes sentimos uma ansiedade que não sabemos de onde vem, noutras conseguimos defini-la com uma certa clareza. Um exemplo é aquela que atualmente toma algumas pessoas, em relação às incertezas no mercado de trabalho.

Conversar francamente a respeito destas mudanças, dos desejos, das expectativas e medos envolvidos é fundamental para diminuir a tensão, a ansiedade, a angústia. Seja com a família, os amigos ou com um psicoterapeuta.

O corpo, o cérebro e o psiquismo possuem uma ampla e maravilhosa plasticidade. Quando o mundo exterior passa por uma grande transformação, eles sempre são capazes de se readaptar.

Vivemos um momento doloroso, fundamentalmente para parentes e amigos das vítimas, mas que também é uma possibilidade de readaptação não apenas para indivíduos, mas para a humanidade.

Isto significa que, preservada e tratada a saúde imediata do maior número possível de pessoas no mundo todo, com as devidas cobranças, ações e precauções coletivas recomendadas diante da Covid-19, tais mudanças externas podem ser catalisadoras de transformações interiores e, consequentemente, de concepções e ideais partilhados que movem grandes questões sociais.

Tudo bem ficar (um pouco) ansioso durante a quarentena. Ao indivíduo, na maioria das vezes, a ansiedade é apenas a precursora de um momento ou um período mais prazeroso e melhor.

Algumas vezes não desejamos as mudanças e podemos ficar bem e confortáveis com a sensação de que está tudo igual. Em outras tantas, as desejamos, mas não sabemos como concretizá-las. Por fim, existem momentos como esse, quando as mudanças chegam sem perguntar e o que nos resta é, simplesmente, construir um destino para elas.

O resto é desejo.

Complexo de Getúlio

Por Hugo Ciavatta*

 

Freud que me perdoe, faltou-lhe entender que nós, brasileiros, padecemos de Complexo de Getúlio. É nossa alegoria, nossa metáfora, nosso recurso para tentar explicar nossa condição republicana tão corriqueira. Situação, aliás, que hoje beira o não verbalizável, aquilo sobre o qual procuramos palavras mas só temos vontade de gritar, que está às voltas quase como inacessível. Getúlio, como um mito, está em tantos lugares que é como se não estivesse em lugar algum. Nosso complexo é quem nos faz sofrer, dia após dia, pelo Brasil, de Atalaia do Norte a Touros, de Pacaraima a Bajé, sentimos cada movimento em nossos corações.

Piegas né, é verdade, porém é preciso dizer que “nós”, bem, nós não é assim um grande nós. Somos apenas aqueles que acreditam em aquecimento global, que não fazemos de nossas crenças religiosas um desejo de generalização ao país, impondo-as aos outros, que defendemos os direitos humanos, que acreditamos mesmo em democracia, em direito de defesa … Oops … É, pelo andar da carruagem do nosso tempo, talvez esse nós corresponda a um total enorme de 1,3% dos brasileiros.

Quando se trata de mito e psicanálise, cabe lembrar de Lévi-Strauss direcionando-se ao subtítulo de Totem e Tabu, de Freud, sobre as correspondências entre a vida psíquica dos selvagens e a dos neuróticos. O belga mais francês da Antropologia diz que nas páginas de A oleira ciumenta se dedicou a mostrar, por sua vez, a correspondência entre a vida psíquica dos selvagens e a dos psicanalistas. Não era, pois, muito sutil o Claude, não é?

Tudo isso para dizer que nosso mito de vida republicana, nosso Complexo de Getúlio insiste em querer Salvar o Brasil. Quase sempre, historicamente, isso significa salvá-lo dos comunistas. Os da foice e do martelo, nossa, devem ser um montante de 0,4% no país. Puxa, que perigo! E nós, os 1%, queremos é salvar o Brasil das mãos de certos patriotas. Entre neuróticos e psicanalistas, todavia, é selvageria para todo lado.

O suicídio de Getúlio Vargas em 1954 tem organizado nossa vida política como um mito, como a mitologia ameríndia organiza a vida dos povos indígenas das Américas. Isto é, na leitura de Lévi-Strauss, os mitos, enquanto narrativas, personagens e suas situações, propõem regras de ação para uma sociedade. Os mitos são a imaginação coletiva das práticas sociais dos sujeitos, mas nem por isso lhes são anteriores e imutáveis. Mitos são transformações históricas, mitos também são modificados por suas sociedades. A república brasileira é anterior ao acontecimento político em torno de Getúlio Vargas, depois dele, muito aconteceu ao Brasil. Há, no entanto, conexões em meio a isso que dizem muito sobre nós. Nós?

Em 1930, Getúlio juntou seus chegados e pôs de lado a elite cafeicultora de São Paulo e Minas, a que se revezava na presidência. Vargas colocou em prática o que também se tornou um rito, uma marca para sinalizar uma pretensa mudança na república tupiniquim: juntar uns parças e botar para correr quem está no poder. Foi assim com a trupe dos militares Deodoro e Floriano em relação à família dos Bragança e Bourbon, no ato propriamente de fundação dessa república, pondo fim ao período imperial.

Gegê não ficou satisfeito com a correria de 1930 e aprontou um imbróglio com a constituinte de 1934 para permanecer poder. Acostumou-se na fantasia presidencial e, além disso, em 1937, bolou um esquema, atribuiu aos comunistas um arranjo golpista e deu, ele mesmo, um golpe, outro golpe. Nascia o Estado Novo sob pretexto do Plano Cohen, que hoje poderia ser considerado uma grande Fake News – fico imaginando quem seria Luciano Hang à época.

Depois de finalmente largar o osso em 1945, Vargas voltaria à presidência nos anos 1950, desta vez eleito. Perto do fim do mandato, entretanto, um de seus seguranças foi acusado de atentar contra a vida do jornalista Carlos Lacerda, seu opositor ferrenho. Associou-se o segurança a mando do presidente, associou-se corrupção comprando a tentativa de assassinato de Lacerda. À luz de 1937, alguém poderia ter lhe dito: “é, parece que o jogo virou, não é mesmo, Getúlio?!”. Não havia delação premiada, nem um juiz-herói – o anacronismo aqui é sarcasmo –, de todo modo, Vargas se viu acuado e, por fim, tomou a decisão de Salvar o Brasil metendo uma bala no peito.

Nós, aquela porcentagem ridícula, por exemplo, assistimos à votação do impeachment, em 2016, ainda que sem apoiar os governos de Lula e Dilma Rousseff, e a cada “pelo conjunto da obra” de um deputado procurávamos um revólver para dar fim à agonia, sozinhos, diante da TV. Ninguém se pergunta, os patriotas de ocasião, se as tais pedaladas fiscais seguiram acontecendo de lá para cá, e se elas implicam a situação econômica do país antes dessa pandemia.

Em sua carta de despedida, o então presidente Vargas diz “sair da vida para entrar para a história”. Uai, e da história alguém está fora, Getúlio? Da história oficial, vá lá, a maioria, esquecidos, silenciados, ocultados. No entanto, assim como de seus respectivos corpos ninguém escapa, como quem habita o tempo estamos todos sempre na história. Vargas “saiu da vida para tornar-se mito”. Getúlio, desde o início de sua trajetória pública, seguiu o rito, entendeu o enredo brasileiro, as possibilidades que o roteiro lhe dava de se fazer política desde a fundação dessa república, e, muito antes de virar modinha, fez de si mesmo um mito.

Quem sabe Lévi-Strauss analisando as narrativas do Estado brasileiro dissesse que há pequenas inversões estruturais desdobrando-se em novas estórias. Ao cientista social contemporâneo, ainda, praticamente se apresenta a citação a respeito da repetição histórica, trocando farsa por tragédia no teatro-Brasil. Não. Nós, brasileiros – aquele 1% –, que gostamos de sofrer pelo Brasil, vimos em 1964 outros chegados traidores marcharem aqui e acolá. É, quase como Deodoro e Floriano, quase como Getúlio Vargas duas vezes. Sob pretexto da ameaça comunista, claro, como um filme repetido de 1937, militares apearam João Goulart do poder. Era o centrão de momento fazendo papel de grande inimigo da nação.

Centrão que nos últimos anos atende como demônio mor da pátria amada: Lula – buuuú. Ainda no início do processo que lhe deixou atrás das grades por meses, em 2016, Luiz Inácio declarou, “não tenho a vocação do Getúlio para me dar um tiro”. Tenho para mim que Lula não faltou à aula sobre O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. O ex-presidente quis dizer: “que Hegel e Marx me perdoem, se farsa, se tragédia, eu não vou me suicidar”. Ali, nós, os 1%, deveríamos ter sacado: fodeu. Tradução, Luiz Inácio disse: “eu não vou salvar o Brasil”.

Hoje, aqueles que se declaram os principais opositores de Lula, por outro lado, justamente para salvar o Brasil, colocam-se, eles mesmos, seus corpos, como a república. É metonímia, emerge discursivamente o absurdo de tomar a parte pelo todo. Nosso eterno retorno, claro, é o eterno retorno do mesmo: toda a nação são os opositores de Lula, seus corpos individuais são a república. É de deixar O Leviatã constrangido. Não são aquele 1% – ah, o diabo da ironia –, mas querem fazer acreditar que sofrem pelo Brasil.

O juiz-herói abdicou da magistratura para “trabalhar pelo Brasil”, foi o que se leu e se ouviu insistentemente. Virar ministro, mais, foi colocar sua vida em risco pelo Brasil, lê-se, ouve-se, vez sim, vez também. Tradução, por enquanto, o máximo que ele encena é querer livrar o Brasil de atitudes como a que ele mesmo parece ter tomado para que ele próprio estivesse no poder. O ex-capitão agora presidente, também, só repete que sobreviveu a uma tentativa de assassinato para lutar pelo Brasil. É sua missão, sua caminhada extenuante, porém, incansável – uma pena, retirar-se seria uma alegria inenarrável.

Como advertia – sim, ele de novo – Lévi-Strauss a respeito dos mitos, sociedades não são indivíduos, elas não procuram suas narrativas com quem consulta um catálogo, um manual de como proceder. Faltou combinar isso com os brasileiros: nós, brasileiros cômicos, e também os patriotas de ocasião, todos nas franjas da linguagem republicana provinda de Getúlio Vargas. Mas é aí que nos distanciamos, não nos comunicamos porque não é possível salvar o Brasil por caminhos tão divergentes.

Disparou o número de mortes de lideranças indígenas nos últimos anos. O desmatamento na Amazônia brasileira bate recordes atrás de recordes comparativos nesse mesmo período. Houve estiagem em algumas regiões do país, noutras, chuvas excessivas. Falta água em áreas conhecidas mundialmente por suas cataratas. O desemprego crescia mesmo diante das tão urgentes reformas das leis trabalhistas, e da previdência. Quem se importa? Mais um “e daí?” dos patriotas que fazem apenas de seus ícones o Brasil; nós, brasileiros risíveis, por outro lado, imaginamos a nossa própria morte a continuar vivendo nessa desgraça exponencial.

Portanto, chegou a hora de deixarmos o sofrimento, vamos nos entregar ao medo. Já vimos militares darem golpes à direita, já assistimos ao centrão dominar a política brasileira por décadas… falta uma guinada tout court à esquerda, uma de fazer inveja aos sovietes, aos guerrilheiros, uma reviravolta tonitruante! – sempre quis usar essa palavra. Vamos, comunistas, juntem seus camaradas! Somos quase nada percentualmente, mas estamos com vocês! Tomemos o poder, marchemos – de máscaras e álcool gel, evidentemente –, acabemos com essa aflição!

Tenhamos em mente, não esqueçamos a getulística, o nosso Complexo de Getúlio disseminado, e que há uma criatura que, possivelmente viva, é entendida como mito – muito longe de qualquer concepção ameríndia. Mas nem Vargas nem ex-capitão, tampouco juiz-herói! Vamos salvar o Brasil de 2020 de sua própria obsessão histórica! Em meio a uma pandemia global, vai pairar a dúvida se até mesmo um tal golpe comunista não é suicídio coletivo, porém, talvez, seja apenas mais um “e daí?”, quem se importa? Ou finalmente um golpe comunista, ou um suicídio coletivo! Pelo menos realizaremos o desejo de certos patriotas.

 

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* Hugo Ciavatta é antropólogo e, obviamente, sem-graça.

 

Caso você queira se aprofundar um pouco mais nas temáticas abordadas neste artigo, o autor recomenda a leitura da “Abertura” de O Cru e O Cozido, “A estrutura dos mitos”, em Antropologia Estrutural e “Da Possibilidade Mítica à Existência Social”, em O Olhar Distanciado, todos de Claude Lévi-Strauss.

O Café com Pepino não endossa, necessariamente, todas as ideias e/ou práticas expressas no presente artigo.