Trump e Musk – O declínio do império americano e da democracia liberal

Mas certamente para esta época que prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a fantasia à realidade, a aparência à essência, é esta transformação, exatamente por ser uma desilusão, uma destruição absoluta ou uma pérfida profanação, porque sagrada é somente a ilusão, mas profana a verdade. Sim, esta sacralidade aumenta na mesma proporção em que a verdade diminui e a ilusão aumenta, de forma que o que é o mais alto grau de ilusão é também o mais alto grau de sacralidade. – Ludwig Feuerbach em A essência do cristianismo, ed. Vozes, 2007, p.25.

Na madrugada da última quarta-feira, 06.11.2024, Donald Trump – um criminoso bilionário e famoso por ter participado de um reality show patético – foi extraoficialmente eleito, novamente, para presidente dos Estados Unidos da América. No conservador sistema eleitoral daquele país, um candidato do Partido Republicano voltou a vencer as eleições também no voto popular. O último havia sido George W. Bush, em sua reeleição, após o 11 de setembro de 2001.

Elon Musk cumprimenta Donald Trump em evento oficial de campanha. Imagem: Jim WATSON / 31.out.2024-AFP.

Mesmo sem nutrir qualquer esperança de que um mal menor aconteceria à América Latina – fosse eleita Kamala Harris -, assisti, ainda assim incrédulo, um mitômano golpista, racista e misógino fazendo uma propaganda de outro bilionário – Elon Musk – durante muitos minutos, no microfone em que discursava para o planeta. Naquele palco de extremistas encontravam-se, também, Dana White, dono do UFC , que proferiu algumas palavras aos gritos e Joe Rogan, ex-lutador de MMA, comediante de stand-up e maior podcaster do mundo.

O retorno de Donald Trump à Casa Branca e a indireta coroação de Elon Musk (sim, porque ele acaba de se tornar o ser humano mais poderoso do mundo sem nenhum voto) são uma consequência do declínio do império americano e, concomitantemente, a própria representação dessa derrocada geopolítica. O tempo mostrará se essa eleição também será percebida como um marco da falência da democracia liberal e o início de uma consolidação de autocracias, ditaduras e um totalitarismo do capital tecnológico em escala mundial.

Abaixo, analiso como a eleição de Trump – também pelo voto popular – representa a trajetória desse Titanic na geopolítica, assumindo que o iceberg que leva ao seu consequente naufrágio na própria geopolítica já está bastante visível a você, caro leitor.

Nesse artigo, você lerá:

Capitão Trump e o marujo Musk
Do liberalismo ao ultraliberalismo – o desespero diante do iceberg
A política ultraliberal é o extremismo
O X do problema: a alienação no não-sentido
Capitão Musk e o marujo Trump
Anexo| Editorial Bloomberg – Por que os contribuintes deveriam dar 83 bilhões de dólares por ano aos grandes bancos?

Capitão Trump e o marujo Musk

Donald Trump e Elon Musk são raros vendedores sem escrúpulos, porque, também, megalomaníacos. Ou seja, ambos são salafrários narcisistas e exibicionistas, daqueles que não se escondem após um golpe. Ao contrário, correm para os holofotes. Agora, unidos, como se fossem um Noé vendendo uma arca para as massas do globalismo quando precipita o dilúvio no império.

Trump e Musk não são somente herdeiros de fortunas erguidas da exploração imoral de miseráveis; eles são herdeiros do racismo, da misoginia, do ódio, de crimes e, ainda, usurpadores de dinheiro público. A base dos seus impérios não é o mérito, mas uma herança construída pela amoralidade inerente ao capitalismo, pelo oportunismo e transgressões às próprias regras do inescrupuloso mercado financeiro. Ambos, agora juntos, representam uma só necroliderança a quem resta avançar de forma sádica, violentando quem está abaixo, ou seja, 99% da população mundial.

“Eu sou um grande defensor do livre mercado, e o governo precisa sair do caminho”. Donald, o autor dessa frase, deve sua fortuna à exploração imobiliária do pai, Fred Trump, que construiu prédios populares durante a Segunda Guerra Mundial, em Nova Iorque, com subsídios públicos e práticas discriminatórias. Ao obterem contratos lucrativos com o governo para a construção de moradias estabeleceram um império marcado pelo racismo e por fraudes. Ambos foram processados por barrarem pessoas pretas de alugarem os seus imóveis.

Elon é filho de Errol Musk, negociante de terrenos valorizados na África do Sul durante o apartheid e dono de uma mina de esmeraldas na Zâmbia – território saqueado por interesses estrangeiros. Esse capital familiar financiou Elon. Longe de ser o “self-made” visionário que muitos celebram, ele construiu o seu império com pesados subsídios de dinheiro público. Empresas como Tesla, SpaceX e SolarCity receberam bilhões em apoio governamental, uma contradição gritante para alguém que se diz contra “interferência estatal”.

Imagem autoral do site Café com Pepino, gerada por ‘inteligência’ artificial.

A Tesla já recebeu mais de US$2 bilhões em incentivos fiscais e subsídios para construir suas fábricas e para produzir. Suas empresas prosperaram com o respaldo estatal, em um modelo onde o público assume os riscos, enquanto os lucros vão para o bolso de Musk e seus acionistas. Esse modelo é um exemplo do “capitalismo de compadrio”, onde empresas como as de Musk e Trump se sustentam com dinheiro público enquanto promovem um discurso de “livre mercado”.

De fato, Trump e Musk carregam uma herança de fraudes. Trump ampliou o seu império com práticas imobiliárias predatórias e falências estratégicas, deixando para trás comunidades empobrecidas e burlando a lei para se esquivar de dívidas, sem qualquer remorso aparente. Ainda, a Trump Organization, por exemplo, foi proibida de realizar novos negócios em Nova Iorque. Musk já foi punido por manipulação de mercado com a Tesla, práticas de vendas enganosas, propaganda enganosa e manipulação do mercado de criptomoedas.

Trump profere discursos racistas ao falar de “DNA ruim” de imigrantes e ao chamar mexicanos de “estupradores”, aprofundando divisões e propagando o ódio. Musk, por sua vez, promove contas racistas e neonazistas no X e fomenta o crescimento do discurso de ódio com suas declarações, acobertado pelo falso manto de “liberdade de expressão”, além de promover uma cultura na Tesla em que funcionários pretos já relataram ser chamados de “escravos” e mulheres foram assediadas.

Trump e Musk são mais do que empresários e, agora, escolhidos como comandantes de um império no seu ocaso; eles são símbolos da própria decadência de um sistema que explora, desumaniza e perpetua o racismo e a desigualdade. Ambos se apoiam em práticas que visam à ampliação de suas heranças a partir do Estado, para depois buscarem destruí-lo para reinarem com seus sócios. São aspirantes a ditadores de um regime totalitário onde eles são a lei às custas da vida, da dignidade e da justiça social.

Do liberalismo ao ultraliberalismo – o desespero diante do iceberg

Para os autores clássicos – por exemplo, o contratualista inglês John Locke e o pensador francês Alexis de Tocqueville – entre muitas diferenças, a democracia liberal seria uma estrutura que equilibraria a liberdade individual e o poder político, fundamentada no respeito aos direitos individuais e na proteção contra eventuais abusos do Estado. Tais entendimentos são perfeitamente compreensíveis quando levamos em conta que eles foram aristocratas que viveram nos séculos XVII e XIX, respectivamente; separados, em suas análises, pelos impactos da Revolução Francesa.

Suposto iceberg que afundou o Titanic, fotografado pelo chefe de serviço do navio SMS Prinz Adalbert /Crédito: Wikimedia Commons

Já os pensadores contemporâneos da teoria crítica – como o alemão Jürgen Habermas e a norte-americana Nancy Fraser – complexificam essa visão essencialista da democracia liberal, destacando os seus limites nos desafios associados à desigualdade econômica, à necessária proteção ao pluralismo cultural e à prevalência do neoliberalismo a partir dos anos 1980, com a consolidação do globalismo. No debate público do primeiro quarto desse século XXI até a grande crise do capital de 2007-8, parecia inquestionável a necessidade de uma democracia efetiva que não só deveria proteger as liberdades individuais, mas que também respondesse às demandas crescentes por justiça social e por uma real inclusão de bilhões de pessoas abandonadas pelo capitalismo.

No entanto, desde então, grandes agentes do capital – em seu inerente aprofundamento das contradições que gera – não retrocederam diante dos limites ou buscaram dirimir os efeitos desumanos do neoliberalismo. Valendo-se do ecossistema das redes sociais virtuais, fabricados pelas Big Tech, eles promoveram a alavancagem – um investimento sem lastro, mas aqui pode ser compreendido como um investimento naquilo que não possui lastro na realidade – do discurso de expoentes de um pensamento mítico do liberalismo, muito mais próximos do misticismo do que das bases de sua própria doutrina original: os ultraliberais.

O ultraliberalismo é a radicalização do neoliberalismo, o avanço amoral do capital sobre a esfera pública, a tomada explícita do Estado para os seus interesses. Ele é uma força que distorce o sentido de liberdade e autonomia – esvaziando o espaço público e a solidariedade social – ao impor políticas econômicas para si em detrimento de políticas sociais de redistribuição e acesso às riquezas. Ele criou uma cultura violenta de competição extrema e do individualismo exacerbado, na qual os riscos e as perdas são de todos, menos daqueles que a modelam. Aliás, seus agentes não correm risco algum, porque esse sempre é assumido pelo Estado e pelos contribuintes.

A política ultraliberal é o extremismo

Para imporem tamanha violência contra os interesses e demandas vitais de bilhões de pessoas, tais agentes e ideólogos precisam, necessariamente, de figuras públicas com aspirações messiânicas, místicas e totalitárias. Aqueles que encarnam o valor do individualismo, enquanto concentram o poder decisório que deveria ser regido pelas instituições democráticas.

Nesse sentido, a primeira vitória do extremismo econômico e político nas democracias liberais foi o deslocamento do debate público, a partir de um ataque simbólico massivo àquilo que era consensual, pactuado e sobre o qual não havia discussão alguma. Incluso o eixo do conhecimento acumulado pela espécie humana ao longo da sua história e da sua sobrevivência. Isso é o negacionismo.

No entanto, para deslocar o debate público não é necessário adentrá-lo com argumentos, teses, expressões artísticas ou raciocínios sofisticados. Não é preciso demonstrar nenhuma construção ou pensamento. Basta deslocar o meio onde ele acontece.

Logotipo do extinto programa argentino ‘CQC’, que foi transmitido no Brasil de 2008 a 2015, pela TV Bandeirantes. Ele e o programa da socialite Luciana Gimenez, na TV Gazeta, popularizaram a figura grotesca de Jair Bolsonaro.

No Brasil, por exemplo, posso afirmar que esse ataque inicial do ultraliberalismo partiu da deep web, através do finado astrólogo e maníaco Olavo de Carvalho, que formou gerações de “influencers” que jamais haviam aberto um livro na vida, mas que hoje possuem milhões de seguidores e doutrinaram outros milhares de “influencers”.

Olavo foi um farsante chulo travestido de ideólogo messiânico autoexilado na Virgínia, que atuou dos Estados Unidos – desde o início dos anos 2000 – para desestabilizar o país; como tantas outras figuras tropicais que sempre encontraram amparo, apoio e incentivo no império, sobretudo, na Flórida. Entre delírios e palavrões, o discurso do astrólogo era o de um ressentido para ressentidos, sobretudo jovens. Assim, sua influência foi financiada e amplificada no Brasil após a internalização – à força – da crise de 2007-8, em 2013. Naquele ano, as bases do neofascismo brasileiro já estavam semeadas há muito tempo e apenas frutificaram aos pés do ultraliberalismo, como um escudo materializado, em um primeiro momento, no Movimento Brasil Livre – MBL (sic).

Porém, ao ultraliberalismo não basta acusar de doutrinador um intelectual do porte de Paulo Freire, enquanto ele próprio doutrina crianças e jovens com o jogo Banco Imobiliário, filmes, desenhos ou compra alguns servidores de carreira pública, como juízes, promotores, policiais ou escolhe diretores de bancos centrais e ministros da fazenda. Agora, ele precisa adentrar no Estado com alguma legitimidade popular tanto para atuar sem amarras em seu benefício, quanto para controlar o monopólio da violência sem limites legais, contra a própria população. Nos legislativos, esse nunca foi um problema, já que vereadores, deputados e senadores podem, facilmente, ser fabricados pelo dinheiro. O próprio, nos casos dos grandes empresários e fazendeiros, ou o de outrem (não todos os políticos, evidentemente).

A questão é que chefes do executivo federal são figuras altamente expostas e ficam à mercê do escrutínio público na sociedade do espetáculo. Fabricá-los não basta mais, eles precisam ter uma liderança carismática e popular, como demonstraram Max Weber, na teoria, e José Serra, na prática.

Na simbiose entre o capital e o fascismo, a estratégia de promover figuras midiáticas às presidências mundo afora tornou-se muito mais fácil após a era Ronald Reagan – ator de Hollywood, republicano, 40º presidente dos Estados Unidos e pai político do neoliberalismo (a mãe foi a primeira ministra inglesa, Margareth Tatcher, conhecida como a “Dama de Ferro”).

Desde então, para ficarmos em alguns exemplos, tivemos o Terminator e republicano Arnold Schwarzenegger, como governador da Califórnia, o humorista Volodymyr Zelensky, eleito presidente da Ucrânia após um golpe promovido pelos Estados Unidos. Temos, ainda, um político brasileiro fascista, expulso das FFAA, com três décadas de carreira anônima no esgoto do Congresso, mas que foi alçado à popularidade pela mídia brasileira – ávida pelo grotesco e por audiência – para, depois de mais um golpe promovido pelos Estados Unidos, ser lapidado pelo capital nas redes sociais virtuais, como o novo presidente da República Federativa do Brasil.

O fato inexorável é que um perfil de líder carismático tornou-se cada vez mais essencial aos interesses do capital na sociedade de consumo e do espetáculo. Até ao ponto em que o líder não é mais, somente, um fantoche; ele é a personificação que coincide com o – outrora anônimo – interesse do ultraliberalismo. Esse é Donald Trump, que não seria presidente novamente sem Elon Musk. Momentaneamente faces da mesma moeda, sócios em um empreendimento, numa necroliderança movida à pulsão de morte, exatamente para que ambos possam continuar lucrando e dando vazão à megalomania. Porque, para tanto, agora precisam destruir a democracia, as esferas públicas e os interesses populares, custe o que custar – ‘CQC’, diria Javier Milei na TV argentina, onde se tornou popular.

A propósito, não seria um disparate intuirmos que Javier Milei é um balão de ensaio do ultraliberalismo a ser adotado por Trump. Algo que o binômio Paulo Guedes – Bolsonaro tentou, mas não conseguiu. Assim como o ditador Augusto Pinochet foi o vetor do neoliberalismo que testou a doutrina do choque da escola de Chicago, que posteriormente foi implementada por Reagan e Tatcher e imposta ao restante do mundo, com a queda do muro de Berlim.

O X do problema: a alienação no não-sentido

Assim, o debate público foi deslocado – de questões sobre como reverter e superar os limites e as contradições do neoliberalismo – por uma ruptura com o eixo estabilizador dos discursos em torno de pressupostos básicos da cultura ocidental. Nesse sentido, as novas linguagens hiperestimuladas pelos algoritmos das Big Tech (que impactaram diretamente as TVs) se tornam chave para compreendermos como deixamos de discutir a política, para ter que defendê-la – enquanto único meio possível de convivência – diante de tantos defensores de golpes militares e torturadores.

Mais, ao invés de as redes se transformarem em poderosos espaços para a população pressionar os rumos das políticas social, econômica e monetária, passamos a ter que defender que vacinas são um avanço da ciência e que a Terra não é plana. Isso revela como o grotesco e o absurdo foi instaurado enquanto uma estratégia – que envolve o uso tático de bombas semióticas e a disseminação massiva de mentiras – do ultraliberalismo. Quanto maior for o absurdo, a atrocidade, a mentira e a violência simbólica que tais dispositivos perpetram, maior o alcance e visibilidade eles terão no ecossistema das redes sociais virtuais.

Por isso, os agentes do binômio ultraliberalismo-fascismo se vendem como “antissistema”, porque eles são, antes de mais nada, meios daquilo que era o inaceitável à cultura e à mínima civilidade no capitalismo pré-crise. Habitando os dois polos do binômio que representam, de fato, eles são um concentrado de tudo o que anteriormente havia de podre no neoliberalismo – suas patologias socioeconômicas.

Tudo isso, claro, com o objetivo de controlar o destino material da massa de seres humanos que representa 99% da população mundial e detém somente 1/3 da riqueza.

Ampliando o caráter e o papel da alienação na obra de Karl Marx, o absurdo que norteia o debate público contemporâneo – e o não-sentido, em um segundo momento – extrapola a dimensão de uma desconexão do trabalhador com a sua própria natureza social, econômica e política. O alienado pelas redes sociais virtuais é praticamente imune àquilo que o filósofo prussiano da economia política chamou de consciência de classe. Porque tal alienação é, antes, um meio de reconexão com a sua natureza primitiva, bárbara. Ela opera como uma libertação do neurótico através de uma psicotização sociopolítica.

O não-sentido – pensado e posto em pratica racionalmente pelos agentes do ultraliberalismo – libertou à força o reprimido em largas fatias das massas. Especialmente naquele indivíduo desejante e ressentido pelas promessas não entregues pela sociedade de consumo e pela democracia liberal, cuja maior manifestação é o império dos Estados Unidos da América, anteparo maior e, até aqui, o organizador dos interesses do capital.

Naqueles em que essa nova forma de alienação é bem sucedida, nada resta de potencial criador da transformação, senão a sua perpetuação alienada na efeméride consumista. Seja ao trabalhador comum, ao desempregado, ao precarizado, ao terceirizado e aos uberizados sem garantia social alguma. Porque não lhes foi deixada margem à elaboração crítica, um mínimo espaço lógico para a mobilização da sua consciência coletiva; somente lhes é ofertada a dissipação da sua energia direcionada aos objetos especificamente apontados na cultura de massas. O consumo, o ódio, o gozo, a morte.

No entanto, diferentemente dos objetos de consumo, os objetos apontados ao ódio não são aqueles representados pelos agentes ultraliberais, mas aqueles tantos nos quais ainda reside alguma energia potencial, não esvaziada, não instrumentalizada por completo. Aqueles cada vez mais fundamentais que carregam um vir-a-ser força transformadora que engendra um verdadeiro nexo coletivo e popular.

Capitão Musk e o marujo Trump

Na primeira seção desse artigo, me detive por algum tempo refletindo se a intitularia Capitão Trump e o marujo Musk ou Capitão Musk e o marujo Trump. Até o momento em que realizei o óbvio: não importa, porque tratamos da representação de um só algo – um grande algo – que está em declínio, o qual é representado por ambos, isoladamente ou somados.

Imagem autoral do site Café com Pepino, gerada por ‘inteligência’ artificial.

Ainda assim, precisamos distinguir os agentes do ultraliberalismo que dele se beneficiam, daqueles que reproduzem inconscientemente o campo simbólico e os interesses dos primeiros. Os agentes, de fato, referem-se, predominantemente, ao espectro em torno do 1% da população mundial que detém 2/3 da riqueza. Já aqueles que reproduzem tais interesses são muitos e cada vez mais numerosos nas massas.

Porém, não há, entre o 99%, uma só ideologia organizada ou visão de mundo estruturante de um determinado grupo que seja mecanicamente aderente a tais interesses.

De tal forma, se podemos facilmente notar discursos instrumentalizados pelo ultraliberalismo na fonte do pensamento místico – portanto, aquela dos fundamentalistas religiosos, membros de seitas e afeitos às teorias da conspiração -, não poderíamos deixar de atestar que tal serventia também brota do cientificismo estéril que busca, em contrapartida, legitimar somente aquilo que é possível de ser visto em um microscópio.

Os exemplos de pares de opostos poderiam ser muitos, desde que compreendamos que eles não mais se opõem em uma disputa por sentidos, mas se complementam nessa nova etapa de um capitalismo hipertecnológico e extremo. Em uma sociedade imagética, a psicotização sociopolítica soergue da radicalização-do-discurso-oposto em função da sua forma, da sua performance e da sua estética, não do seu conteúdo.

No espaço virtual dos algoritmos das Big Tech, a atuação (performance) calcada na estridência e na contundência aumentam a audiência, independentemente de noções e valores associados a um sentido público, ético, moral ou sociopolítico. Precisamente, porque tais gritos de ‘certeza’ oferecem uma boia de sobrevivência simbólica e de gozo ao sujeito entrópico, cuja gênese propus no ensaio O sujeito entrópicoUm ensaio sobre redes sociais, estrutura, reconhecimento e consumismo.

Assim, rompendo a pedra fundamental da filosofia grega – o método socrático – reinam o absurdo e o não-sentido na ágora (ἀγορά) contemporânea. O absurdo diz da nossa defesa psíquica, enquanto o não-sentido diz do nosso desejo. Ambos, nos tempos atuais, propiciam a ascensão política de representantes do ultraliberalismo-fascismo com apoio popular, como podemos notar no Brasil, com a eleição de inúmeros influenciadores digitais – muito além do bolsonarismo – e, também, com os representantes máximos dessa estratégia do capital: Donald Trump e Elon Musk.


Anexo ilustrativo | Editorial da revista norte-americana, sobre o mercado financeiro, Bloomberg News, em 20 de fevereiro de 2013.

Por que os contribuintes deveriam dar 83 bilhões de dólares por ano aos grandes bancos?

Na televisão, em entrevistas e reuniões com investidores, executivos dos maiores bancos dos EUA – especialmente o CEO do JPMorgan Chase & Co., Jamie Dimon – defendem que o tamanho é uma vantagem competitiva. Eles argumentam que ser grande os ajuda a reduzir custos e a competir por clientes em escala internacional. Limitar esse tamanho, alertam, prejudicaria a lucratividade e enfraqueceria a posição do país nas finanças globais. E se disséssemos que, segundo nossos cálculos, os maiores bancos dos EUA não são realmente lucrativos? E se os bilhões de dólares que alegadamente geram para seus acionistas fossem quase totalmente um presente dos contribuintes americanos? Certo, é um conceito difícil de aceitar. Mas é crucial para entender por que os grandes bancos representam uma ameaça tão grande à economia global.

Comecemos com um pouco de contexto. Os bancos têm um forte incentivo para crescer e se tornar desajeitadamente grandes. Quanto maiores, mais desastrosa seria sua falência e mais certa a possibilidade de um resgate governamental em uma emergência. O resultado é um subsídio implícito: os bancos potencialmente mais perigosos conseguem empréstimos a taxas mais baixas, pois os credores os percebem como “grandes demais para falir”. Recentemente, economistas tentaram calcular exatamente quanto esse subsídio reduz os custos de financiamento dos grandes bancos. Em um esforço relativamente abrangente, dois pesquisadores – Kenichi Ueda, do Fundo Monetário Internacional, e Beatrice Weder di Mauro, da Universidade de Mainz – estimaram que essa redução seja de cerca de 0,8 ponto percentual. O desconto se aplica a todas as suas obrigações, incluindo títulos e depósitos de clientes.

Pequeno, mas Impactante

Pode parecer pouco, mas uma diferença de 0,8 ponto percentual faz uma enorme diferença. Multiplicada pelo total das obrigações dos 10 maiores bancos dos EUA em ativos, equivale a um subsídio dos contribuintes de 83 bilhões de dólares por ano. Para contextualizar, é como se o governo desse aos bancos cerca de 3 centavos de cada dólar arrecadado em impostos. Os cinco maiores bancos – JPMorgan, Bank of America Corp., Citigroup Inc., Wells Fargo & Co. e Goldman Sachs Group Inc. – representam 64 bilhões desse total, um valor aproximadamente igual aos seus lucros anuais típicos. Em outras palavras, os bancos que dominam o setor financeiro dos EUA – com quase 9 trilhões de dólares em ativos, mais da metade do tamanho da economia americana – apenas se equilibrariam sem esse “bem-estar corporativo”. Em grande parte, os lucros que relatam são essencialmente transferências dos contribuintes para seus acionistas.

Nem os executivos dos bancos nem os acionistas têm muitos incentivos para mudar essa situação. Pelo contrário, a indústria financeira gasta centenas de milhões de dólares em cada ciclo eleitoral com doações de campanha e lobby, grande parte destinado a manter o subsídio. O resultado é um setor financeiro inchado e ciclos recorrentes de crédito excessivo. Se nada for feito, os super-bancos podem eventualmente exigir resgates que excedam os recursos do governo. Imagine um colapso em que o Tesouro esteja impotente para agir como fez em 2008 e 2009.

Os reguladores podem mudar esse jogo reduzindo o subsídio. Uma opção é exigir que os bancos financiem suas atividades com mais capital dos acionistas, o que os tornaria menos propensos a precisar de resgates (sugerimos 1 dólar de capital para cada 5 dólares de ativos, muito mais do que a proporção de 1 para 33 exigida pelas novas regras globais). Outra ideia é chocar os credores, fazendo com que alguns deles assumam perdas quando os bancos enfrentarem problemas. Uma terceira opção é impedir que os bancos usem o subsídio para financiar operações especulativas, o objetivo da regra Volcker nos EUA e da separação bancária no Reino Unido.

Uma vez que os acionistas compreendam totalmente o quão mal os maiores bancos operam sem o apoio do governo, eles se veriam motivados a exigir melhorias. Isso poderia incluir desde a redução dos pacotes de pagamento até o desmembramento de gigantes financeiros em unidades mais gerenciáveis. A disciplina de mercado pode não agradar aos executivos, mas certamente seria uma melhora em relação a pagar bancos para nos colocar em perigo.

 

O discurso da servidão inconsciente à tirania dos capitães e dos capitais | O neofascismo brasileiro

O cenário

No último domingo, 8 de janeiro de 2023, uma semana após o mais emblemático rito de posse de um presidente da república na vida nacional, alguns milhares de terroristas invadiram o coração da República Federativa do Brasil, situado na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Destruíram um patrimônio público de valor inestimável, obras de arte e mobílias históricas sem preço, porque únicas ou doadas por chefes de Estado desde o século XVII. Arrebentaram vidraças, portas, monitores, chão, tetos e paredes. Roubaram bens, HDs, documentos secretos.

Vilipendiaram o Palácio do Congresso Nacional, o Palácio do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto numa ação orquestrada pelo ex-governo fascista brasileiro, findado, então, há oito dias. Desde o fim do ano passado, quando ainda usufruía do seu passaporte diplomático, o ex-presidente encontra-se refugiado na Flórida, Estados Unidos. Noticiaram que ele estaria pensando em retornar ao Brasil para evitar o vexame da extradição. A Itália, ao menor sinal do neofascista brasileiro, já se mobilizou para evitar recebê-lo.

Seguem alguns adendos às possíveis análises sobre os últimos eventos promovidos pela extrema direita brasileira, emulando ações de uma extrema direita internacional, reavivada como não víamos desde a derrota do nazifascismo na Segunda Guerra Mundial.

As condições históricas – O público e o privado

Em face do intento fracassado, de ruptura de um regime democrático recém restaurado em sua aparente plenitude, só podemos nos fiar por aquilo que nos precede.

Poderíamos facilmente visualizar – portanto, reconhecer – aqueles fascistas, despidos no último domingo, destruindo qualquer patrimônio público país afora, desde sempre, dada a nossa história colonial. De um banco de praça a um extinto orelhão, de uma vaso chinês a um quadro do Di Cavalcanti, como foi feito há três dias. Mais, em sua pulsão destrutiva, aquela horda poderia ser representada por um canalha qualquer que administra um condomínio de apartamentos como se fosse o seu castelo particular, a despeito das assembleias de moradores, ou por um capitão das Forças Armadas, ou da PM do Distrito Federal, que age sob o uniforme conforme a sua ideologia contrária ao sentido das suas atribuições e obrigações enquanto servidor público.

Todavia, dificilmente poderíamos imaginá-los destruindo o próprio apartamento, queimando o próprio carro, arrebentando uma agência do Itaú, um prédio do Starbucks, do McDonald’s ou defecando no salão da Ibovespa, enquanto comparsas quebram monitores e roubam iPhones deixados nas fartas gavetas da Faria Lima.

Tais projeções são possíveis somente porque todos somos embebidos em uma cultura historicamente patrimonialista e, ao mesmo tempo, quase todos somos destituídos de qualquer patrimônio material vultoso. Exceção feita a pouquíssimos, muitos dos quais – herdeiros numa história de exploração, escravidão, desigualdades, opressões e repressões – são os mais interessados em dinamitar quaisquer laços e relações orientados pela noção de coisa pública.

Desafortunadamente para esses poucos, hoje todos somos plenos de direitos, ao menos no papel, e podemos reivindicar livremente traços da nossa identidade. Somos, também, todos donos de um patrimônio público, material e imaterial. Somos todos filhos e agentes de uma cultura histórica e nacional, composta por um mosaico de inúmeras culturas e patrimônios regionais no tempo e no espaço brasileiro. Entre disputas e consensos, nos reconhecemos, por fim, por uma bandeira, por uma língua e por alguns sentimentos e ritos partilhados por muitos de nós. Convivemos, dessa forma, em uma democracia, através das instituições – sempre em disputa política – mas legalmente amparados e regidos por um Estado Democrático de Direito, fundado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, após décadas de uma sanguinária ditadura civil-empresarial-militar instalada pelos Estados Unidos em nosso território.

Acontece que, desde as Manifestações de 2013 que resultaram no golpe empresarial-parlamentar de 2016, vivemos em mais um estado de anomia que reflete a disputa geopolítica do nosso tempo. Nele, soergueram forças do submundo institucional nutridas pelos traumas nacionais jamais elaborados – como a anistia aos torturadores e a todos os que cometeram crimes de Estado há poucas décadas – e por velhos e conhecidos interesses do exterior. Como se, subvertendo a máxima marxista, houvesse a possibilidade de repetir não a tragédia, mas a própria farsa botada em marcha na América Latina durante os anos 1960, 1970 e 1980, que promoveu a interdição de governos eleitos democraticamente com golpes militares que violentaram suas soberanias, prenderam, torturaram e assassinaram mais de 50 mil cidadãos sul-americanos. Estima-se que os corpos de mais de 30 mil pessoas estão desaparecidos até hoje.

A gênese do neofascismo brasileiro

Da farsa da farsa renasceu a extrema direita no Brasil no século XXI, seguindo uma tendência mundial após a quebra do sistema financeiro global, em 2008. Ano inicial daquele que viraria um fenômeno de massas nas democracias ocidentais, formado por milhões de pessoas mobilizadas pelas forças mais destrutivas que existem dentro de cada uma delas. Forças canalizadas e direcionadas contra a cultura, a sociedade, a civilização.

O que vimos no último domingo foi a expressão explícita do ódio. Todavia, reestruturado por uma nova linguagem da experiência subjetiva e afetiva daqueles que pretendiam provocar uma ruptura na unidade nacional com uma guerra civil, ainda que muitos nem tivessem essa instrumentalizada consciência. Presenciamos, infelizmente de maneira esperada, uma ação terrorista visando a, mais um, golpe de Estado. O modus operandi, emulado da extrema direita dos Estados Unidos, só atestou de onde vieram as ordens e as diretrizes: da matriz trumpista.

Do país onde a organização social orienta-se por uma cultura concentrada daquilo que Max Weber teorizou, em 1905, como uma simbiose entre a ética protestante e o capitalismo. Distintamente do contexto de vida do intelectual alemão, na configuração contemporânea, o capitalismo é muito mais voraz, globalizado e a sociedade estadunidense não sustenta a herança da social-democracia construída no período do pós-guerra na Europa ocidental. Algo que enraizou e dimensionou a esfera pública tão valorizada, até hoje, no continente.

Por isso, os atos terroristas em Brasília foram repudiados até por ícones ascendentes da extrema direita do outro lado do Atlântico. Porque aquilo que os neofascistas brasileiros odeiam e atacam é tudo – absolutamente tudo – o que é público, de todos nós, brasileiros. Isso é um contrassenso a um neofascista ou a um ultranacionalista europeu, que, em sua nefasta ideologia, direciona grande parte do seu ódio aos imigrantes – inclusive aos brasileiros.

Aqui, os neofascistas (incorporados neonazistas e integralistas) foram arregimentados por uma composição política Frankenstein, que elegeu o último governo federal num processo eleitoral sob intervenção objetiva dos Estados Unidos. Tal composição continha setores da mídia, dos militares, milicianos, fisiologistas, evangélicos fundamentalistas e ultraliberais. Expoentes máximos, cada qual em seu campo, do velho patrimonialismo e da sua defesa. Esse grupo que chegou ao centro do poder federal valendo-se de táticas novas, até então, de massivas mentiras espalhadas pelas redes sociais virtuais, assumiu para si somente uma missão: deter um projeto nacional popular de longo prazo e reverter todas as conquistas dos governos anteriores.

Não foi difícil, dado o nosso histórico violento e colonial, canalizar o ódio dos seus eleitores precisamente ao solo da coletividade e do pluralismo que constitui um país. Chão cada vez mais exíguo aos pés no mundo ultraliberal, terreno árido ao caminhar da justiça e das disputas políticas, dos corpos e das mentes, dos desejos e gestos de todos. Espaço público de solavancos e comunhão, onde se pode falar, mas onde também se faz necessário ouvir e respeitar todas as manifestações plurais e divergentes que compõem uma determinada sociedade.

Contrariamente são os espaços privados. Sejam aqueles herdados desde a época das capitanias hereditárias, sejam aqueles, ainda hoje, públicos e almejados num vir-a-ser particular. Porque os espaços que excluem são aqueles onde as dinâmicas sociopolíticas respondem e, na maior parte do tempo, submetem-se aos desejos de um ou poucos donos, atuais e futuros. Foi a partir desse terreno fertilizado sinteticamente – alavancado e associado, num primeiro momento, aos discursos de um liberalismo raso como um pires – que brotou novamente o fascismo brasileiro. Agora, ainda mais subserviente e inconsciente da sua função nos novos tempos, configurando todo um campo ideológico de indivíduos disciplinados para devorarem uns aos outros com um sorriso no rosto.

A fabricação do neofascista

Num novo universo tecnológico, completamente alienado das dinâmicas que o enredam, o “patriota” foi programado por esse campo que lhe ofereceu não só o pertencimento, mas o ethos que lhe autorizou – finalmente – o gozo através do pathos do ódio. Por isso, o logos não foi necessário e, para quem olha de fora, não há lógica alguma em suas tentativas de elaborar argumentos. Porque ele foi condicionado numa crescente repetição esvaziada, mais e mais, o levando ao limite das palavras, das imagens, dos discursos, da comunicação e das “ideias” dele. De tal forma saturado, o “patriota” foi movido pela recompensa ofertada ao desejo de reconhecimento, esgarçando os próprios sentidos até a implodi-los no prazeroso vazio da própria consciência, libertando, por força bruta, o reprimido.

Nesse ponto, quando se sentiu “livre”, as estratégias e os métodos de repetição esvaziada da nova extrema direita internacional já haviam lhe ofertado a palha que reestruturou simbolicamente o seu reprimido de forma rudimentar e instrumental. Simplesmente lhe dando uma mínima sustentação simbólica que propiciou a vazão de aspirações psicóticas em ações de violência concreta, na destruição dos objetos apontados. Como numa autofagia purificadora, para os seus membros provarem quem é o mais obediente cão de guarda do poderoso e ínfimo universo onde desfilam os que lucram na combalida economia mundial após a quebra do sistema financeiro global, em 2008.

Por isso, Samuel Johnson, um conservador anglicano e monarquista atestou, com conhecimento de causa, no século XVIII: “o patriotismo é o último refúgio do canalha”. Sob o manto do nacionalismo, àqueles que o encampam com um vigor que aumenta conforme o número de câmeras ao redor, “por Deus e pela pátria”, mascara-se toda sorte de perversões que precisam ser satisfeitas e escondidas do restante da sociedade, nos termos do falso moralismo. Alguns exemplos são a decretação de sigilos centenários sobre documentos de interesse público, a não dissociação entre o bem público e o privado, a destruição da esfera pública, a privatização de setores estratégicos nacionais, a instauração do autoritarismo, a antipolítica (anauê, Sérgio Moro) e tantas outras modalidades que revelam a prevalência do gozo sádico, como a homenagem a milicianos, assassinos e torturadores.

Disse um ex-presidente neofascista brasileiro, ao vivo para o país, através da Rede Globo, em uma nada sutil cumplicidade atuante no golpe de 2016: “Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.

Ustra, por “pedaladas fiscais”… . Ele se tornou presidente depois, e, como sabemos, de forma trágica não sofreu impeachment.

O discurso da servidão inconsciente à tirania dos capitães e dos capitais

O prazer na dor do outro é o ponto de encontro entre a Brasília destruída no último domingo e “o” mercado.

Entretanto, aos fascistas de hoje só cabe o papel de massa de manobra, de farsa da farsa. Eles só servem para “o” mercado tentar botar a faca no pescoço de um possível governo minimamente popular, mas não matá-lo. Como uma chantagem a um governo que pode restaurar uma linha democrática e inclusiva, que foi sufocada na trama geopolítica através do discurso da servidão inconsciente à tirania dos capitães e dos capitais, construído desde 2013 e eleito em 2018, no soar do apito do Juiz de Fora.

Na revolução da extrema direita do século XXI, os dispositivos contemporâneos e as novas tecnologias na sociedade da informação são fundamentais ao método da ruptura sociopolítica através da linguagem. Essencialmente, a partir de táticas e estratégias incubadas por anos na deep web, e que, botadas em marcha na última década, como numa revolução francesa às avessas, inverteram o sentido da comunicação pela implosão de significados amplamente consensuais na vida pública. Esse método visa à ressignificação de significantes estruturantes das ideias de nação, cultura e patrimônio público imaterial. Isso libertou, do ponto de vista da teoria freudiana das pulsões, os que se percebiam medíocres, incapazes e impotentes em sua cultura e ainda foram dragados pela devastação econômica pós 2008.

No contexto brasileiro, que adotou uma política econômica anticíclica de maneira bem sucedida para proteger sua economia naquele período, a crise precisou ser fabricada a partir de 2013, com uma desestabilização vinda de fora. Afinal, nenhum império deseja um postulante aos holofotes em seu “quintal”.

Em todos os regimes de inspiração fascista, ao longo da história recente, os ditadores precisaram forjar um sentido de emancipação e libertação ao seu secto – cujo ápice, aqui no Brasil, vimos no último domingo – enquanto aumentam seus patrimônios. Seja vendendo ou se apropriando da esfera coletiva, avançando suas posses, ainda mais, sobre o patrimônio público material. Sobre aquilo que na realidade física e comum ainda prepondera sobre as especulações e lastreia a economia global.

Porém, nessa falsa revolução francesa, onde quase tudo é uma fraude – exceção feita à vazão da pulsão de morte – o seu sentido social e político sempre foi o de um aprisionamento e não o de uma emancipação. Começando pelas intenções dos seus artífices e terminando com os girondinos, capatazes da velha oligarquia, gozando com uma mudança de regime que não veio e não virá, para depois serem presos.

Porque o que almejam é a libertação pela psicose, pela quebra de qualquer sentido de realidade comum, pelo misticismo que encontraria o seu destino final numa farsa da farsa de uma nova Idade Média. Só eles não sabem que isso não interessa aos seus tiranos, seja na Faria Lima ou em Wall Street.

No final das contas, são os tiranos a quem servem, e não eles, que controlam, não só as suas coleiras, mas as guilhotinas no regime do terror contemporâneo.